quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Utilitarianismo, impulso sexual e o amor autêntico pelo outro!


Do livro “Amor e Responsabilidade”, João Paulo II.
 
Por Edward P. Sri, baseado em seu livro “Men, Women and the Mystery of Lov
 
O utilitarianismo enfraquece nosso relacionamento, fazendo-nos valorizar as pessoas primeiramente em termos de algum prazer ou benefício que recebemos na relação com ela.
 
Ainda assim utilitaristas sofisticados podem argumentar que não há nada de errado em duas pessoas “usarem” uma à outra na medida em que eles consentirem mutuamente e receberem mutuamente alguma vantagem da relação.
 
Na verdade, alguns dizem que um relacionamento que traz consigo o egoísmo (interesse próprio) do homem e o egoísmo da mulher de modo benéfico para os dois seria na verdade um relacionamento de amor.
 
Por exemplo, o que tem de errado com Bill e Sally terem sexo antes do casamento, se cada um dos dois consente, e cada pessoa ganha algum prazer com isso? Já que no ato sexual o desejo que Bill tem por prazer se harmoniza com o desejo que Sally tem por prazer, tal ato não parece ser egoísta. Ambos dão prazer um para o outro, e não apenas para si próprios.
 
O Papa João Paulo II aponta um grande problema com esse tipo de relacionamento: “No momento em que deixarem de consentir e deixarem de ser vantajosos um para o outro, nada mais restará da harmonia original. Não haverá amor, em nenhuma das pessoas nem entre elas”.
 
Esse tipo de relacionamento me impede de estar realmente em comunhão com a outra pessoa, de estar comprometido com ela como pessoa, pois esse tipo de relação ainda está dependente do que eu vou conseguir da outra pessoa. Estou “comprometido” com a pessoa apenas até o ponto – e somente até aí – em que recebo prazer ou vantagem do relacionamento. Na verdade, o Papa João Paulo II compara tal relacionamento de utilização mútua à prostituição.
 
Como a prostituição
 
Imagine um homem de negócios que tem um relacionamento com uma prostituta toda semana numa determinada noite. O homem deseja o prazer sexual que ela pode lhe dar, e a mulher deseja o dinheiro que ele pode lhe dar. Ambos possuem objetivos pessoais que convergem para o ato sexual e beneficiam a outra pessoa. Ambos conseguem o que querem, e no processo atendem aos desejos da outra pessoa.
 
Entretanto, no momento em que o encontro dessas duas pessoas deixa de ser mutuamente vantajosa, o que acontecerá com esse relacionamento? Se a prostituta pode ser mais bem paga por um homem mais rico naquela noite particular da semana, provavelmente ela vai deixar o primeiro homem de negócios pelo segundo, mais rico.
 
Por outro lado, se o homem de negócios não acha mais a prostituta prazerosa, e encontra uma prostituta mais jovem e mais atraente, ele também provavelmente vai deixar a primeira prostituta pela segunda, mais jovem.
 
Isso pode parecer um exemplo exagerado, mas pense quantas relações entre homem e mulher no mundo de hoje não são muito melhores que isso? Quantos relacionamentos são baseados mais em um mútuo uso do que em amor compromisso e em uma comunhão verdadeira de pessoas?
 
Por exemplo, quantas jovens mulheres entregam sua virgindade e dormem com um homem em troca da segurança emocional de ter um namorado ou por medo de que, se não o fizerem, esse homem pode terminar o relacionamento com ela?
 
Quantos homens querem somente uma garota bonita para dormir com ela pelo prazer físico que pode conseguir com essa relação? Esses relacionamentos não são de autêntico amor que trazem as pessoas à comunhão uma com a outra. Ao invés, são simplesmente formais socialmente mais aceitáveis de um uso mútuo – similar à prostituição.
 
Insegurança, não amor
 
João Paulo II nota como as relações baseadas no utilitarianismo lançam medo e insegurança em uma ou ambas as pessoas. Um sinal de alerta que mostra a possibilidade de existir uma relação utilitária é quando uma pessoa tem medo de conversar com a outra sobre assuntos difíceis, ou teme resolver problemas na relação com a pessoa amada.
 
Uma razão pela qual muito casais (seja de namorados, noivos, ou casados) nunca enfrenta as dificuldades na relação com o outro é porque no fundo sabem que não há muita base sólida para o relacionamento continuar – apenas o prazer ou benefício mútuo. Teme-se que, se o relacionamento se tornar desafiador, exigente, ou difícil para a outra pessoa, ela vai “cair fora”.
 
A única maneira de manter o relacionamento é esconder os problemas e fingir que as coisas não estão assim tão ruins quanto parecem. “O amor assim compreendido é por si mesmo evidentemente uma pretensão que tem que ser muito bem cultivada para esconder a realidade escondida: a realidade do egoísmo, e do tipo mais baixo de egoísmo, aquele que explora a outra pessoa para obter para si o ‘máximo de prazer’”.
 
O Papa João Paulo II então mostra como as pessoas nesse tipo de relacionamento às vezes permitem até mesmo serem usadas pelo outro a fim de conseguir o que desejam do relacionamento: “Cada uma das pessoas está preocupada principalmente em gratificar o próprio egoísmo, mas ao mesmo tempo consente em servir o egoísmo do outro, porque isso pode trazer a oportunidade de satisfazer depois o próprio egoísmo – e fazem isso apenas enquanto isso é verdade”.
 
Nesse caso, a pessoa deliberadamente se permite ser usada como meio para as intenções egoístas da outra pessoa. “Se eu trato uma outra pessoa como meio e como instrumento com relação a mim, não posso me considerar senão igualmente, à mesma luz, como meio. Nós temos aqui algo como o oposto do mandamento do amor”.
 
O impulso sexual
 
A sexualidade é uma das principais áreas onde podemos cair na atitude de usar uma outra pessoa. O Papa João Paulo II, portanto, despende muito tempo refletindo sobre a natureza do impulso sexual.
 
Primeiramente, ele discute como o impulso sexual se manifesta na tendência das pessoas humanas buscarem o sexo oposto. Ele diz que o impulso sexual orienta um homem para as características físicas e psicológicas de uma mulher – seu corpo, sua feminilidade – que são os próprios atributos mais complementares ao homem. E a mulher, por sua vez, está orientada para os atributos físicos e psicológicos de um homem – seu corpo e sua masculinidade – as propriedades que são naturalmente complementares para a mulher. Portanto, o próprio impulso sexual é experimentado como uma atração corporal (física) e emocional (psicológica) para uma pessoa do sexo oposto.
 
Entretanto, o impulso sexual não é uma atração para as qualidades físicas e emocionais do sexo oposto no abstrato. O Papa João Paulo II enfatiza que esses atributos somente existem em uma pessoa humana concreta. Por exemplo, nenhum homem é atraído ao “loira” ou “morena”, abstratamente. Ele se sente atraído, ao invés, a uma mulher – uma pessoa em particular – que pode ter cabelo loiro ou moreno. Uma mulher não se sente primariamente atraída pela “masculinidade” como um conceito teórico, mas ela pode se sentir muito atraída por um homem particular que exibe certos traços tradicionalmente masculinos, tais como coragem, decisão, força, e cavalheirismo.
 
O Papa João Paulo II enfatiza esse ponto para mostrar como o impulso sexual, em última análise, dirige-se à pessoa humana. Portanto, o impulso sexual não é, em si mesmo, ruim. Na verdade, por se destinar a nos orientar em direção a outra pessoa, o desejo sexual pode fornecer um espaço para o autêntico amor se desenvolver.
 
Isso não quer dizer que o impulso sexual deve ser igualado ao amor. O amor envolve muito mais do que as reações sensuais ou emocionais espontâneas que são produzidas pelo desejo sexual; o autêntico amor requer atos da vontade dirigidos em prol do bem da outra pessoa. Ainda assim, o Papa João Paulo II diz que o impulso sexual pode fornecer a “matéria-prima” a partir da qual atos de amor podem surgir – isso se for guiado por um grande senso de responsabilidade pela outra pessoa.
 
Mais do que instinto animal
 
É importante notar que o impulso sexual nas pessoas humanas não é o mesmo que o instinto sexual encontrado nos animais. O Papa João Paulo II explica que nos animais o instinto sexual é um modo reflexo de ação, que não depende de pensamento consciente. Por exemplo, uma gata fêmea no cio não reflete qual o melhor tempo, lugar ou circunstância para ela acasalar, e não pensa em qual gato macho das vizinhanças ela quer como parceiro ideal. Os gatos simplesmente agem por reflexo, de acordo com seus instintos.
 
As pessoas humanas, entretanto, não precisam ser escravas do que está borbulhando dentro delas na esfera sexual. No final das contas, a pessoa está em controle do impulso sexual – e não o contrário. A pessoa pode escolher como vai usar esse impulso.
 
Um homem, por exemplo, pode experimentar uma atração sexual por uma mulher. Ele às vezes pode até experimentar essa atração como algo que acontece a ele – algo que começa a tomar lugar em sua vida sensual ou emocional sem nenhuma iniciativa de sua parte. Entretanto, essa atração pode e deve estar subordinada ao seu intelecto e sua vontade. Uma pessoa pode não ser sempre responsável pelo que lhe acontece na área da atração sexual, mas ela é sempre responsável pelo que decide fazer em resposta a esses estímulos interiores.
 
Amar ou usar?
 
Lembremo-nos que o impulso sexual nos conduz aos atributos físicos e psicológicos da pessoa do sexo oposto. Mas, em última análise, existe para nos conduzir à pessoa que possui esses atributos – não apenas aos atributos em si. As manifestação do impulso sexual, portanto, nos colocam diante de uma decisão entre amar a pessoa e usá-la devido a seus atributos.
 
Por exemplo, digamos que Bill conhece Sally no trabalho, e rapidamente se sente atraído pela sua beleza e personalidade encantadora. Bill pode escolher entre se elevar acima dessa reação sexual inicial e ver nela mais do que apenas seu corpo e sua feminilidade. Ao olhar além dos atributos físicos e psicológicos que lhe dão prazer, ele tem a possibilidade de vê-la como uma pessoa, e responder a ela com atos de amor desinteressado.
 
Por outro lado, Bill pode experimentar a atração sexual e escolher a fixação nas qualidades físicas e psicológicas que lhe dão prazer. Fixando-se na sua beleza e no seu charme feminino – e no prazer que deles deriva – ele se distrai, perde a capacidade de ver Sally como ela realmente é, não consegue mais amá-la como uma pessoa. Ele pode ser gentil com ela, mas está, ao menos em algum grau significante, fazendo isso a fim de receber algum prazer sensual ou emocional derivado da proximidade para com ela. No final das contas, portanto, Bill a está usando como fonte de prazer para si.
 
O Papa João Paulo II diz que, se a interação entre um homem e uma mulher permanece no nível dessas reações iniciais produzidas pelo impulso sexual, o relacionamento não é capaz de amadurecer para uma comunhão verdadeira de pessoas. “Inevitavelmente, então, o impulso sexual em um ser humano está sempre no curso natural das coisas que se direcionam a outro ser humano. Se está se direcionando apenas aos atributos sexuais como tais, isso deveria ser reconhecido como um empobrecimento ou mesmo uma perversão desse impulso”.
 
Esse é um ponto importante para nossos encontros cotidianos com pessoas do sexo oposto. Seguindo o princípio personalista, o Papa João Paulo II nos lembra como devemos ser cuidadosos a fim de evitar tratar as outras pessoas como potenciais objetos para nosso próprio prazer sensual ou emocional. Lendo essas linhas, devemos nos perguntar uma questão crucial: O que faremos quando experimentarmos a excitação da atração sexual por uma particular pessoa do sexo oposto? O que um homem escolherá fazer quando percebe a beleza física de uma mulher? O que uma mulher escolherá fazer quando se sente atraída por um homem?
 
Nesses momentos importantes, podemos fazer a escolha de nos fixarmos nos prazeres sensuais ou emocionais que recebemos do corpo ou da masculinidade ou feminilidade da outra pessoa. E, ao fazer isso, estaremos vendo a pessoa como um objeto para usufruto pessoal, e assim estaremos caindo no utilitarianismo. Ou, ao contrário, podemos procurar cultivar o amor autêntico pela própria pessoa, dirigindo nossa atenção para a pessoa na sua integralidade.
 
Olhando além dos atributos físicos e psicológicos, e vendo a pessoa real, abrimos as portas ao menos à possibilidade de desejar o bem da outra pessoa, como na amizade virtuosa, e nos abrimos a realizar atos de gentileza verdadeiramente altruístas – os quais não dependem da quantidade de prazer que recebemos do relacionamento.
 
Com esses insights, o Papa João Paulo II nos lembra que nossas delicadas interações com as pessoas do sexo oposto demandam grande responsabilidade. “Por essa mesma razão, as manifestações do impulso sexual no ser humano devem ser avaliadas no plano do amor, e qualquer ato que dele se origina forma um elo na corrente da responsabilidade, a responsabilidade pelo amor”.
 
Nas próximas reflexões, exploraremos os insights do Papa João Paulo II sobre como podemos, na prática, dirigir nossa atenção para a pessoa, não apenas para seus atributos sexuais, a fim de acolher o amor e a responsabilidade autênticas por aqueles que estão perto de nós.
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O Autor: Edward P. Sri é professor assistente de Teologia do Benedictine College, em Atchison, Kansas, Estados Unidos, e autor de vários livros de Teologia e espiritualidade.
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