quinta-feira, 8 de março de 2012

A FIDELIDADE VOCACIONAL


A fidelidade vocacional faz, necessariamente, lançarmos um olhar mais observador sobre os jovens e a rever as nossas formações para que possamos responder melhor à realidade que vivemos hoje.
Nossas reflexões podem tocar a muitos pontos centrais que chamam nossa atenção. Entre eles, aqueles relativos às motivações do ingresso, às motivações para ser fiéis nas diferentes etapas da vida, o discernimento e o acompanhamento dos consagrados, a consistência e a unidade dos temas, a qualidade da vida espiritual, a cultura atual, o ambiente sócio-cultural e a formação inicial, os fatores que favorecem a vitalidade de uma Nova Comunidade.
Mesmo não querendo ser exaustivo sobre os fatores que influem na fidelidade, é, contudo importante aprofundar e discernir os mais relevantes com muito cuidado a situação que hoje facilmente se repete em nossa própria Comunidade: Podemos dizer que a descoberta do amor humano transformou em irreal a busca monástica de Deus. Obviamente não se trata agora de julgar a vocação desses jovens; trata-se, antes, de interrogar-nos sobre a formação que lhes oferecemos. São estas algumas das perguntas pertinentes: Sobre que bases humanas se construiu o edifício espiritual? Que tipo de antropologia serviu de pressuposto ao processo formativo? Estamos convencidos de que a graça edifica sobre a natureza? Favorecemos dicotomias ainda que afirmemos o contrário? Reprimimos o que é instintivo em favor do que é racional? Valorizamos o espiritual em detrimento do corporal? Continuamos a alegorizar os textos bíblicos sobre o amor esvaziando-os da sua espessura humana? Nutrimos o senso de pertença comunitária? Poderíamos continuar com perguntas semelhantes.
Vivemos numa sociedade pluralista que promove o relativismo axiológico como critério para resolver as diversas situações sociais. O critério de liberdade atingiu até o âmbito do aspecto mais sagrado da humanidade: a vida, pois se considera que ela pertence instrumentalmente a cada indivíduo, prescindindo de toda responsabilidade para com o Criador e para com os outros seres humanos. Por outro lado, para qualificar as manifestações mais variadas das culturas, usa-se o critério que “tudo é igualmente válido”, negando assim a necessidade de que elas sejam humanizadas e evangelizadas.
O que é provisório e temporário insere-se nas organizações, mesmo nas instituições milenares, como a família. A duração cada vez mais breve de um bom número de casamentos chama a nossa atenção. Sabemos que o fenômeno se repete no interior das nossas Comunidades e não cessa de preocupar-nos o número dos pedidos de dispensa  de vocacionados ou membros, pouco tempo depois de ter iniciado o seu processo de formação inicial ou mesmo permanente
Vivemos num mundo que favorece o individualismo e o intimismo. Se de um lado, conforme vários autores, estamos passando do homo faber ao homo ludens, de Prometeu a Narciso, do homem econômico ao homem festivo, para o qual a coisa mais importante não é trabalhar mais consumir. Basta olhar certas psicologias modernas para descobrir que o centro deve ser o eu. Freud nos fala da satisfação dos desejos; Maslow, da auto-realização mediante a satisfação das necessidades primárias; Adler da afirmação do próprio múnus e da superioridade em relação aos outros.
Não há dúvida que um dos grandes méritos do mundo de hoje seja ter dado importância ao eu pessoal. Mas sabemos que se trata de um valor relativo, porque conforme o Evangelho “quem procura a própria vida a perde e quem a perde a encontra” (Mt 16, 25). O desafio permanente é sair de nós mesmos para concentrar-nos em Deus e no seu plano de salvação em favor da humanidade.
Por outro lado, parece que hoje temos mais dificuldade para compromissos duradouros, de longo alcance, nos quais a paciência, a estabilidade, a perseverança, a tensão e o esforço são necessários para garantir a qualidade da vida espiritual e a missão à qual fomos chamados. Influenciados pelo ambiente, facilmente podemos fazer nossos os valores que hoje a sociedade promove: o provisório (o temporário), o sensível (o coração acima da razão), o mutável (o novo e a moda se impõem).
Não devemos esconder o fato de que a Vida Consagrada representa um movimento contra-cultural e dinâmico que desafia os donos de uma sociedade ambivalente, cujos valores são mais facilmente assimilados pelos jovens, tanto os positivos como aqueles em contraste com o Evangelho. Também aqui se trata de um discernimento e de uma inculturação que nos permitem ser fiéis aos sinais dos tempos e dos lugares. Nossa atitude deve ser semelhante à dos pescadores da parábola que lançam ao mar a rede que recolhe todo tipo de peixe; uma vez cheia, os pescadores levam-na para a praia, sentam-se, selecionam os bons nas cestas e jogam fora os maus (Mt 13, 47-48). O apoio para vivermos com alegria e dignidade num mundo que deve ser evangelizado, mas ao qual devemos opor-nos em mais de uma ocasião, é a ascese espiritual. A luta pelos valores do Reino comporta um esforço pessoal e comunitário, que dá sentido à existência, afasta do narcisismo, evita a depressão e permite viver no meio dos conflitos.
Hoje devemos dar mais importância à situação em que vive o jovem diante da fragmentariedade e da dispersão, com o perigo do fascínio do imediato e do provisório, que leva a uma ética individualista e relativista, que limita a procura dos valores e orienta para uma busca insatisfeita do "estar juntos", sem uma direção clara nem um projeto definido. O ambiente incita à busca de valores de pouca monta e a uma felicidade de baixo custo. Ou seja, exatamente o contrário do que deveríamos oferecer na vida comunitária.
Se não somos capazes de centrar nossa vida comunitária no essencial, corremos o risco de construir sobre a areia. A nossa vida comunitária, entendida como uma natural tensão para Deus seja como chamado de Jesus Cristo a prosseguir sua vida, não pode ter fundamento mais sólido do que o de uma experiência pessoal.
Trata-se de uma atração profunda, quase irresistível para Deus, de uma experiência espiritual, do fato que Deus é o Absoluto e que todo o nosso ser tem a sua referência última a Ele. É a experiência de amar e ser amado; é a certeza de que Deus é tudo. E se Deus é a razão última do nosso seguimento, podem vir dilúvios e tempestades, a nossa barca poderá parecer na iminência do naufrágio, mas poderemos ir adiante, não pela nossa força, mas porque nas nossas fraquezas Deus continua a ser a razão última da nossa vida e sabemos que Ele está ao nosso lado.
A meta fundamental de todo processo de formação é facilitar esta experiência. Vivendo assim, poderemos ajudar a consolidar no interior da nossa Comunidade o substrato humano e a experiência fundante que darão maior solidez ao nosso seguimento de Jesus, vivido numa fidelidade criativa e alegre.

Inspirado no artigo: ECHEVERRÍA, Álvaro Rodríguez - Por Uma Vida Consagrada Fiel - Desafios Antropológicos à Formação

Fraternalmente,

José Eduardo A. Caetano
Escola Comunitária

Comunidade Católica Vida Nova
08/03/2012

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