Entrevista com Ives Gandra Martins Filhos
SAO PAULO, terça-feira, 24 de Abril de 2012
Publicamos aos nossos leitores a
entrevista que o presidente da União dos Juristas Católicos de São Paulo, o
jurista Ives Gandra Martins concedeu à Agência
Portalum sobre o tema da anencefalia, na quarta-feira, 18 de abril.
– Como o STF não tem poder legislador, o julgamento da ADPF nº 54
pode ser considerado nulo por ser inconstitucional?
Ives Gandra – Na minha interpretação da lei maior, o Congresso Nacional pode
anular a decisão do STF com base no artigo 49, inciso XI, assim redigido: "É da
competência exclusiva do Congresso Nacional: XI – zelar pela preservação de sua
competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes". O
Supremo Tribunal Federal não tem poder de legislar, nem mesmo nas omissões
inconstitucionais do Legislativo, isto é, quando a Constituição exige a produção
de uma lei imediata e o Parlamento não a produz. E, à evidência, se há proibição
do STF legislar em determinadas matérias, em que a desídia do Congresso é
inequívoca, com muito mais razão não pode a Suprema Corte avocar-se no direito
de legislar no lugar do Congresso naquelas matérias de legislação ordinária. Tal
aspecto foi bem salientado pelo ministro Ricardo Lewandowsky em seu voto.
O dispositivo que impede o Pretório Excelso de legislar é o parágrafo 2º do
artigo 103 da Lei Suprema, assim redigido: “Declarada a inconstitucionalidade
por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada
ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se
tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias". Para o Executivo
há prazo para produzir a norma. Para o Legislativo, nem prazo, nem sanção, se
não a produzir.
– Qual a sua opinião sobre esse caso não ter sido julgado no
Congresso? E pela maneira antidemocrática como foi feito, sem levar em conta as
manifestações da sociedade e também sem permitir que vozes contrárias fossem
ouvidas durante a sessão?
Ives – Só me resta lamentar, até porque as entidades favoráveis à vida foram
proibidas de sustentar oralmente a defesa da vida, pelo ministro Marco Aurélio
que não as admitiu como amicus curiae (amigos da Corte). Desta forma, em
plenário só houve a defesa dos advogados favoráveis ao aborto (procurador-geral
e o da instituição promotora da ADPF).
Matéria desta complexidade, em que a maioria da sociedade, segundo o ministro
Lewandowsky, é contra, à evidência, só poderia ser decidida pelo Congresso e, a
meu ver, promovendo um plebiscito para conhecer o que quer a nação.
Para mim, todavia, em face da inviolabilidade do direito à vida desde a
concepção (art. 5º, "caput"), entendo que, por ser cláusula pétrea, a questão
não poderia ser sequer tratada, não tendo sido recepcionado o Código Penal de
1940 nas hipóteses do aborto sentimental ou terapêutico.
– Qual é o critério para a escolha dos ministros do STF? Quem
responde por alguma decisão indevida? De que forma a sociedade pode agir para
exigir algum tipo de mudança nos critérios antidemocráticos adotados no
julgamento?
Ives – O sistema atual é ruim, pois depende exclusivamente da vontade
política ou amizade do presidente com o candidato escolhido. Uma vez escolhido,
entretanto, só por prevaricação poderá o ministro ser afastado pelo Senado.
Jamais por decidir de acordo com suas convicções, mesmo quando frontalmente
contrariar a lei. O que a sociedade pode fazer é pressionar os congressistas na
forma de escolha dos ministros do STF.
– Essa decisão pode abrir um precedente para a liberação do aborto em
outras situações não previstas em lei?
Ives – Claramente abre um precedente para o aborto de fetos mal formados. A
reação, todavia, foi de tal espécie que creio que dificilmente o STF entrará em
outra aventura semelhante. Deixará os demais casos para o Congresso decidir.
– Qual a sua opinião sobre o aborto de crianças
anencéfalas?
Ives – O artigo 2º do Código Civil declara que todos os direitos são
assegurados ao nascituro, desde a concepção. O parágrafo 5º da Constituição diz
que ele é inviolável. E o parágrafo 4º do Pacto de São José, do qual o Brasil é
signatário, que os direitos do nascituro devem ser assegurados desde a
concepção. Não há qualquer exceção nos três textos. Por esta razão, nada
obstante a decisão de oito ínclitos ministros do STF, continuo considerando
aborto de anencéfalos um homicídio uterino, agora legalizado.
Fonte Portalum
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