
Não
estamos numa “revolução”, disse à ZENIT Ivanaldo Santos, filósofo e
professor do departamento de filosofia e da Pós-Graduação em Letras
(PPGL) da UERN. “O termo que mais se aproxima dos últimos acontecimentos
é ‘onda de protestos’”.
Caso
os líderes dessas ondas de protestos se organizem, podem aproveitar o
momento para exigir coisas concretas aos governantes “como, por exemplo,
urgentes medidas de combate a inflação, maiores investimentos no
sistema de transporte público e coisas semelhantes”, disse o filósofo.
Até o momento o maior risco que se corre é que toda essa movimentação
não se concretize e termine do jeito que começou.
Por
outro lado, e não há de se descartar também, caso não se tome o devido
cuidado, a conclusão poderia ser “pior do que a volta da inflação”;
seria ver o “país cair no caos e na anarquia política” – disse
Ivanaldo Santos enfatizando que dentro do direito legítimo e democrático
de manifestar-se, “coibir a ação de grupos extremistas é um dever do
Estado e uma necessidade da democracia”.
Acompanhe na íntegra a entrevista.
***
O que o senhor acha dessa revolução que percorre o Brasil?
Ivanaldo Santos: Ainda não podemos usar o termo “revolução”. Uma Revolução pressupõe uma ruptura com um modelo de civilização ou então com algum modelo político e administrativo.
Até agora, nada disso está ocorrendo. Também ainda não podemos usar o
termo “revolta”, até o presente momento não houve nenhuma vítima fatal,
não há um conjunto de reivindicações coerente e coeso, o governo não
tomou nenhuma grande medida para contar a população. Em síntese, estamos um pouco distante do caos social vivido, por exemplo, pela Turquia e pela Síria.
O termo que mais se aproxima dos últimos acontecimentos é “onda de protestos”. Uma onda que, num primeiro momento, surgiu na cidade de São Paulo, orientada por partidos políticos de extrema esquerda
que, entre outras coisas, queriam a redução da tarifa de ônibus. Logo
após, num segundo momento, essa onda de protestos perdeu o seu caráter
partidário e ganhou o país. Nesse segundo momento quem participa dessa
onda, em tese, não são os militantes profissionais dos partidos
políticos, mas estudantes universitários, donas de casa, pessoas comuns.
O que chama atenção dessa onda de protestos é o seu caráter apartidário e confuso.
Não há uma agenda de reivindicações, as pessoas simplesmente vão às
ruas pedirem melhorias na saúde, educação, segurança, criticam a
corrupção, os gastos exorbitantes com a copa do mundo e coisas
semelhantes. Grande parte desse sentimento de revolta é fruto de uma
percepção, inconsciente e indireta, que algo está errado com o Brasil.
Vejamos:
no cenário nacional a inflação voltou, e mesmo que o governo negue esse
fato, as pessoas nas ruas já perceberam que tudo está mais caro, o real
está perdendo valor, a indústria cresce pouco, já se fala em aumento do
desemprego, aumento nos preços das mercadorias e coisas parecidas. Um
cenário nada animador.
Já
no cenário internacional temos a valorização do dólar, a crise da
social democracia, marcada por países como Grécia, Espanha e Portugal;
as incertezas da recuperação econômica internacional. Além
disso, no Brasil vive-se quase que um monopartidarismo, onde o Partido
dos Trabalhadores (PT) e seus aliados ocupam quase todos os espaços da
política nacional.
Isso vai gerando uma espécie de asfixia política,
ou seja, atualmente, no Brasil, falta novos horizontes e novas
possibilidades políticas. A juventude, com seu espírito irrequieto, já
percebeu esse fato e, por isso, quer
algo novo, uma nova possibilidade de fazer política que não esteja
dentro dos estreitos limites da estrutura partidária do PT e dos outros
partidos tradicionais. O problema é que as multidões que estão indo as ruas não sabem expressar isso de forma coerente
(não produzem um documento, não fazem um manifesto, etc). Isso torna os
protestos bonitos, bons para saírem na grande mídia, mas de muito pouca
utilidade prática. Esse é o tipo de protesto que os partidos políticos
tradicionais gostam, pois, os manifestantes gritam muito, fazem
barulhos, mas não apresentam uma pauta de reivindicações organizadas. Eles não sabem bem o que querem.
O
perigo de tudo isso é essa onda de protestos terminar em nada, não
haver nenhuma mudança no sistema política brasileiro. Seria bom se os
líderes dessas manifestações começarem o cobrar algo de mais prático dos
governantes, como, por exemplo, urgentes medidas de combate a inflação,
maiores investimentos no sistema de transporte público e coisas
semelhantes.
Será que, realmente, não há ninguém por trás de tudo isso?
Ivanaldo Santos: No
início dos protestos havia a “mão invisível” dos partidos de extrema
esquerda. Esses partidos vivem ainda no século XIX, nunca sequer
chegaram ao século XX, muito menos no século XXI. São partidos que vivem
sonhando com uma revolução socialista que criará uma ditadura no
Brasil. Eles vivem planejando algum tipo de revolta popular.
Aproveitaram a indignação da população da cidade de São Paulo, e de
outras cidades no Brasil, com o aumento das passagens de ônibus para
fomentarem protestos violentos nessas cidades. Eles queriam criar, no
Brasil, uma versão das comunas de Paris no século XIX. O problema é que o povo brasileiro não tem qualquer interesse em revoluções socialistas e guerras urbanas violentas.
O povo transformou os protestos violentos, com a ajuda do governo, em
protestos festivos, onde as pessoas pintam o rosto para reivindicar
algum tipo de melhoria no padrão de vida. Algo bem mais apropriado para a
cultura brasileira.
Como entender que “o gigante acordou”? Acordou mesmo?
Ivanaldo
Santos: Ainda é muito cedo para ficar dizendo que o “gigante acordou”.
Vale lembrar que em tempos recentes tivemos ondas de protestos (Diretas
Já, Fora Collor) e nem por isso o brasileiro se tornou um povo mais
participativo, mais presente na vida política nacional. Em todo caso, é preciso ver com bons olhos essa nova onda de protestos.
São protestos que, em tese, não tem origem nas estruturas tradicionais,
arcaicas e corroídas da sociedade brasileira. Entre essas estruturas é
possível citar, por exemplo, os sindicatos, os partidos de esquerda, os
fóruns universitários e a UNE. O fato das pessoas estarem se organizando
fora dessas estruturas demonstra certo grau de maturidade democrática. Sem contar que, de forma muito aberta, essas estruturas não representam mais os anseios da população. São estruturas envelhecidas que representam, em grande medida, seus próprios interesses burocráticos.
Não há um ar anárquico em tudo isso? Algo que queira desestabilizar a nação, os partidos políticos, a paz e a ordem?
Ivanaldo Santos: Até agora não podemos afirmar, de forma categórica, que existe uma anarquia nessa onda de protestos. São protestos festivos, com cara de carnaval, muita gente revoltada, sem, no entanto, saber explicar as causas de sua revolta.
Em
todo caso, é preciso tomar cuidado, um protesto festivo pode terminar
em grande violência. Sem contar que, pelas cenas amplamente divulgadas
na grande mídia, tem muitos grupos e pessoas mal intencionadas
infiltrados nesses protestos querendo usar o bom ânimo do povo
brasileiro para destruir o patrimônio público, atacar policiais e fazer
todo tipo de desordem nas cidades. É preciso que a política e os outros órgãos de segurança investiguem a atuação desses grupos mal intencionados.
Não vivemos em uma anarquia, mas se esses grupos não forem parados
poderemos viver algo bem parecido. É preciso deixar claro que pior do
que a volta da inflação, será o país cair no caos e na anarquia
política. Coibir a ação de grupos extremistas é um dever do Estado e uma
necessidade da democracia.
É
lícito exigir direitos e ao mesmo tempo tirar a liberdade de toda uma
cidade, parando o trânsito, depredando, criando confrontos em praças
públicas? Assim foi no mundo grego? Ou seja, essa é a proposta da Polis,
da democracia?
Ivanaldo
Santos: A proposta da Polis é que o cidadão tenha acesso ao universo
público e, com isso, possa expressar livremente sua opinião. Pelo que
temos visto no Brasil, isso tem acontecido. As pessoas têm saído de suas
casas com seus cartazes, faixas, etc; e, com isso, tem exposto suas
opiniões. Vale salientar que, no atual contexto, a grande mídia tem tido um papel importante, pois tem procurado apresentar à nação essas reivindicações.
No entanto, é bom chamar a atenção, tem
uma série de grupos extremistas loucos para transformar protestos
pacíficos, com cara de carnaval fora de época, em guerras campais, em
atos de depredação do patrimônio público e em matança de policiais e
outros agentes públicos. As pessoas tem o direito de protestar, a
democracia, em grande medida, é feito de reivindicações. O que devemos
ter todo cuidado, e para isso é preciso requisitar a presença do Estado e
das forças policiais, é com grupos extremistas que desejam, a qualquer
custo, implantar a desordem e o caos no país. São grupos que apostam que
a desordem trará a tal sonhada ditadura socialista.
Ouvem-se analistas dizendo que é o momento de “destruir” o sistema. Como assim? O que colocar num novo sistema?
Ivanaldo
Santos: Sempre quando aparecem momentos de protestos se ouvem vozes que
falam no fim do sistema democrático, fim do capitalismo, etc. É uma
espécie de discurso apocalíptico que fala do fim de um modelo social.
No entanto, é bom frisar que, no momento, têm-se duas importantes variantes. Primeira, não há uma ideologia ou teoria que possa substituir o sistema dominante,
ou seja, a democracia liberal. O fato é que a democracia liberal tem
seus problemas e erros, mas não há em vista um modelo político melhor.
Talvez daqui a alguns anos os filósofos e teóricos da política possam
estabelecer um sistema mais confiável que a democracia liberal, mas, até
agora, ela é o modelo político mais confiável.
Segunda, as multidões que lotam as ruas das cidades brasileiras não apresentam nenhuma ideologia ou proposta de renovação política.
Tudo que as multidões fazem é expressar, de forma confusa, suas
frustrações econômicas e reivindicações de melhoria no padrão de vida.
Por
essas duas variantes, afirmar que vivemos em algum momento de
destruição do sistema da democracia liberal no Brasil é uma afirmação um
pouco precipitada. Em todo caso, é sempre bom recordar que várias
guerras civis começaram com protestos isolados e evoluíram para uma onda
de violência e de destruição nacional. Espera-se que o Brasil não
experimente esse tipo de revolta. Essa é a pior revolta que um povo pode
experimentar e geralmente deixa sequelas por muitos séculos. O povo brasileiro não merece passar por uma guerra civil.
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