quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Uma paralisia: o hedonismo

A bússola do coração
Se você pudesse olhar a “bússola íntima” de muitos homens e mulheres, veria que um grande número de corações tem a agulha magnética apontada para uma estrela de cinco pontas: meu prazer− meus gostos− meu interesse –minhas vantagens−meu direito de ser feliz.
Outros, poucos − tomara que aumentem e você seja um deles! –, apontam para um Norte melhor, para outra estrela que tem cinco pontas radiantes: ideal−doação−serviço−meu dever−meu amor.
A primeira estrela nasce dos porões mais profundos do egoísmo. A segunda surge do abismo de Amor de Deus, anunciando um alvorecer de vida.
Se você leu “O senhor dos anéis” ou viu o filme, estará lembrado das sombras de Mordor, que invadem a Terra Média e ameaçam devastar tudo. O hedonismo é hoje uma sombra de Mordor que avança sobre a vida moral das pessoas. Você sabe o que é o hedonismo? Vale a pena lembrar: «Doutrina que considera que o prazer individualimediato é o único bem possível, princípio e fim da vida moral».
Em coerência com isso, é característico do hedonismo considerar o sofrimento individual como o “único mal”; e igualmente como um absurdo o sacrifício voluntário, se não é meio para conseguir maiores “prazeres individuais”. Acontece, porém, que eliminando o sacrifício, as virtudes desaparecem ou ficam paralisadas. «Nenhum ideal – dizia São Josemaria – se torna realidade sem sacrifício» (Caminho, n. 175).
Como talvez lembre, no primeiro capítulo comentávamos a parábola de Cristo que fala do papel ridículo de um homem que principiou a edificar e não pôde terminar (Lc14,28-30). É muito interessante constatar que Jesus usou essa imagem para ilustrar a seguinte sentença: Aquele que não carrega a sua cruz e me segue, não pode ser o meu discípulo (Lc 14,27).
Realização e cruz
Quem conhece um mínimo de História, sabe que, durante milênios, tanto os espíritos pagãos mais elevados como os cristãos – no Ocidente e no Oriente – chegaram à certeza de que a autêntica realização humana só podia encontrar-se nas virtudes, e nobem (nos valores) para o qual todas elas apontam.
Os homens e as mulheres, sem dúvida, falhavam, não eram santos; muita vez eram mesquinhos; mas nunca os pais e mestres pensavam nem ensinavam que o único malda vida fosse o sofrimento ou o sacrifício. Via-se como coisa evidente que o mal consistia na falta de valores (de referências nítidas sobre o bem e o mal) e de virtudes. Por isso, as virtudes eram ensinadas, em todas as idades, como um esforço moral necessário para alcançar o bem e vencer o mal.

Todos os heróis admirados e propostos como modelo eram homens e mulheres capazes de grandes sacrifícios, de renúncias generosas, de sofrimentos heroicos por uma causa, que consistia sempre num bem, nunca num prazer puro e simples. Era um ideal em que o bem e a beleza se identificavam. Este foi o denominador comum dos grandes personagens bíblicos, dos heróis pagãos e dos santos cristãos.

Até há pouco mais de meio século, o sinal da grandeza de uma pessoa era a qualidade excepcional das suas  virtudes. Neste sentido, a Igreja Católica, ao estudar a possível canonização de algum fiel falecido com fama de santidade, analisa primeiro se praticou “virtudes heroicas”.

Se, ao longo dos séculos, a virtude não só admitia como exigia o sofrimento corajoso e o sacrifício desinteressado, agora, esse quadro parece estar sendo pichado, retalhado, substituído pela liberdade do prazer sem entraves. Quem se atreve a opinar o contrário é tachado de “moralista”, medieval e truculento.

Esses “pichadores” não se dão conta de que a única liberdade que merece esse nome é aquela que filósofos cristãos chamam “liberdade de qualidade”, ou seja, a liberdade de escolher voluntariamente o que é bom, o que é melhor, o que é  virtude. E que, pelo contrário, a liberdade que eles defendem é a “liberdade de indiferença”, que é a liberdade de “tanto faz”, e consiste em optar em cada momento pelo que dá na cabeça, em escolher o que agrada e rejeitar o que incomoda. Tudo fica, assim, sob as rédeas do capricho e do prazer imediato.

O hedonismo paralisa o amor de Deus

O hedonismo, como o orgulho, infiltra-se em tudo, infecciona o sangue da alma. É uma esclerose progressiva, generalizada. Afeta gravemente as relações com Deus e as relações com o próximo. Vamos ver, com apenas algumas pinceladas, esse efeito paralisante.

Em primeiro lugar, as relações com Deus.
– Com a mística do prazer, Deus é jogado fora como um obstáculo que atrapalha, com seus mandamentos, a liberdade de viver conforme as próprias vontades. “Deus exige”? “Então não serve!”. “Eu é que devo exigir de Deus que Ele me sirva, que me ajude a não sofrer, a me sentir bem, a ganhar dinheiro, e, se for do meu interesse, a ficar com a mulher do próximo.”
– A religião é vista pelo hedonista como um produto de supermercado ou de shopping. O mercado das religiões, hoje, está bem abastecido. As gôndolas estão cheias, para cada qual escolher a sua religião “à la carte”. Para muitos, a Verdade não interessa; não interessa nem a Palavra nem a Vontade de Deus. Interessa só um tipo de religião que aprove todos os meus caprichos, pecados e erros; que me faça cafuné na cabeça e me tranquilize, oferecendo-me cultos, pregações, cânticos e orações com efeitos semelhantes aos da sauna, da ioga ou da dança do ventre.
Uma religião, em suma, sem outro amor que o “amor a mim mesmo”, amenizado por umas pinceladas de caridade “gostosa” e uma pitada de alguns dias voluntariado para tranquilizar a consciência.
É evidente que esse tipo de religiosidade é paralisante, e não levará nunca à realização no amor, à plenitude da vida. Nunca levará ao Deus vivo.
O hedonismo paralisa o amor ao próximo

Lembro-me de umas palavras expressivas da Carta às famílias de João Paulo II, em que falava de: «uma civilização das “coisas” e não das “pessoas”; uma civilização em que as pessoas se usam como se usam as coisas… A mulher pode tornar-se para o homem um objeto, os filhos um obstáculo para os pais, a família uma instituição embaraçosa para a liberdade dos membros que a compõem».
A mentalidade hedonista de um casal, por exemplo, nota-se na decisão relativa a ter ou não ter filhos, a ter mais ou menos filhos. É um assunto complexo, que exige ponderar diversos fatores objetivos (saúde, p.e.). Mas, em oitenta por cento dos casos, o fator decisivo é o hedonismo: o comodismo, a aversão ao sacrifício, o desejo de não ter trabalho, de gozar de mais liberdade para fazer o que se quer. Onde estão aí as virtudes da família e do lar?
A mentalidade hedonista é – como diria o Papa Francisco – uma “mentalidade de descarte”. Em nome do prazer e do direito de ser feliz, o marido descarta a mulher, a esposa descarta o marido, ambos descartam os filhos, que sempre sofrem as consequências da separação. “Foi inevitável”, dizem, “será melhor para eles”. Será? Fora casos patológicos, teria sido muito melhor para os filhos conviver com as virtudes que os pais deveriam ter vivido, mas não quiseram viver (porque exigiam renúncia e sacrifício!).
De fato, se quisermos conhecer os motivos da maioria dos divórcios, o casal e o advogado nos darão uma lista. Mas a verdadeira “lista”, aos olhos de Deus são as virtudes que faltaram e levaram aquela família a cair pulverizada, como um edifício sem estacas nem pilares: o sentido de vocação e missão, a entrega generosa ao ideal familiar, a abnegação, a compreensão, a dedicação prestativa e alegre, a paciência, o espírito de serviço, o espírito de perdão, e tantas outras mais.
Coisas análogas se poderiam dizer do egoísmo no relacionamento com os parentes, colegas e amigos, pois também é o hedonismo o que determina, com muita frequência, a exclusão dos idosos e dos doentes (que o Papa Francisco não de cansa de denunciar); a abdicação de responsabilidades na educação dos filhos (já estão numa boa escola); o relaxamento e a trapaça nos compromissos e obrigações profissionais e sociais, a corrupção na vida pública, etc.
O hedonismo paralisa o amor a nós mesmos
Finalmente, umas poucas palavras para que não esqueçamos que o hedonismo destrói, em primeiro lugar, a vida de quem o adota como bússola para a vida.
De fato, o hedonismo avilta o sexo, rebaixando-o ao nível do consumo material. A parceira ou o parceiro – mesmo quando se trata de marido e mulher – desce ao nível da lata de cerveja que, uma vez consumida, se joga fora.
Assim, a sensualidade egoísta torna-se vício tirânico, obsessão, compulsão. O viciado em “liberdade sexual” (em libertinagem) torna-se um pobre escravo da pornografia, da Internet, das redes sociais, da tv noturna, dos desvios da sensualidade. Diz: “Faço o que quero”, mas deveria dizer: “Faço o que não consigo mais deixar de fazer”. Atolou, sem forças para sair, num brejo de que só Deus o pode tirar.
A mesma coisa acontece com a liberdade, tão “atual” (festinha, balada…), de consumir álcool desde a preadolescência; de experimentar drogas brandas; de passar logo depois para a experiência de drogas mais fortes, até cair numa escravidão progressiva, que pode não ter retorno. Você acha que esses pobres viciados, verdadeiros farrapos humanos, são um monumento à liberdade que tanto os motivou?
Sobre o pano de fundo dessas desgraças, entende-se melhor a tremenda importância desta afirmação: «Onde não há mortificação, não há virtude» (Caminho, n.180). Trataremos disso mais adiante.
Antes de sair dos porões, gostaria de terminar este capítulo com um apelo vibrante: « Não gostaríeis de gritar à juventude que fervilha à vossa volta: – Loucos!, largai essas coisas mundanas que amesquinham o coração… e muitas vezes o aviltam…, largai isso e vinde conosco atrás do Amor?» (Caminho, n. 790).
Medite nisso.

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