
A experiência de Alvaro
Siviero, pianista...
A imagem
pública de Bento XVI é bastante popular, mas o mesmo não se pode dizer de
alguns aspectos de sua vida privada. Poucos sabem, por exemplo, que o Papa
gosta muito de gatos a ponto de escrever um livro infantil sobre o assunto, ou
que ele é um pianista dedicado que aprecia a obra de Bach. Confira nesta página
alguns fatos curiosos sobre a personalidade e a vida de Bento XVI.
Quando
recebi a confirmação de que seria o pianista a apresentar-se em recital para
Bento XVI, durante os dias em que estaria no Brasil, fiquei sem reação. Ao
desligar o telefone, continuei em silêncio por um bom tempo. Um mix de medo e
confusão. E comecei a vasculhar diversas biografias.
Bento XVI
não era um teólogo de ambientes somente eclesiásticos, mas havia sido professor
em Universidades do Estado Alemão – Universidades Civis – de profundo caráter
científico. Enquanto o teólogo dava sua aula, a sala contígua poderia estar
sendo ocupada por um racionalista, um panteísta ou um luterano e, ao deixar a
sala, o seu lugar poderia ser ocupado por uma pessoa sem a menor preocupação
pela tradição ou pelas convicções cristãs. Sem dúvida, um ambiente de intenso
diálogo. Com oito doutoramentos honoríficos, e um apaixonado por Mozart e Bach,
o calibre intelectual da pessoa que estaria à minha frente estava delineado.
Sua profunda vocação era a de estudar, dar aulas, pesquisar e publicar. Um
homem que, não tendo medo de fazer análises valentes, tem a igual valentia de
abrir mão de suas conclusões, em exercício de verdadeira humildade intelectual.
Um homem aberto à verdade.
Quando fui
apresentado a Bento XVI – éramos muito poucos os que ali estávamos – caí de joelhos.
Foi uma reação instantânea, inconsciente. A densidade, simplicidade e verdade
de seu olhar criaram um abismo de desproporção em minha pessoa.
Contraditoriamente, uma grande paz invadiu minha alma. Senti-me diante de um
paizão, sem necessidade de aparências.
“Alvaro, devemos fazer um concerto”,
disse para mim. Os diversos detalhes de atenção que dirigia a todos os que ali
estávamos. Um homem esquecido de si.
Um dos
momentos mais marcantes – são muitos – ocorreu durante o recital. Ao terminar a
Fantaisie-Impromptu, de Chopin, Bento XVI entusiasticamente iniciou os aplausos
diante dos presentes. Pensei: um Papa me aplaudindo? Entre lágrimas, entendi na
prática que os grandes da humanidade se fazem humildes. E durante todo o tempo
em que estive ao piano – por mais de uma hora – ele continuamente me perseguia
com o olhar. Nossos olhares se entrecruzaram dezenas de vezes. Uma amizade
instantânea que brota quando se coloca o coração e se quer o outro de verdade.
Eu me
perguntava: de onde provém a imagem do “linha-dura”, o “mão de ferro”, o
“rotweiller de Deus”? “É muito mais difícil destruir uma imagem pública quando
ela já está consolidada no imaginário coletivo. João Paulo II lutou contra as
guerras, contra os abusos dos direitos humanos, levou um tiro, perdoou Ali
Agca, visitou sinagogas e viajou a regiões esquecidas. Ao posicionar-se a favor
da vida, da fidelidade, da família, a mídia anticatólica não conseguiu pintar a
imagem de lunático contraditório. Antes do início do conclave, viam-se muitos
papáveis sendo analisados e rotulados sob um prisma dialético: progressistas
(os melhores) ou conservadores (piores), incluindo-se aqui o então cardeal
Ratzinger, em tentativa de pegar o novo Papa na antimão, iniciando antes dele
esse trabalho de formação da opinião pública. Esse trabalho não foi feito com
Paulo VI, com João Paulo I ou João Paulo II.
Ao ser
eleito, iniciaram-se os disparos da metralhadora giratória sensacionalista
contra um homem que acredita que o mundo deve se moldar a Deus e não o
contrário. “Como é possível ter antipatia instantânea por um homem que gastou
sua vida em salas de aula e escritórios?”, concluia o biógrafo Pablo Blanco
(Leia artigo do biógrafo na página 8). E a imagem de Bento XVI diante do povo
brasileiro mudou radicalmente após os poucos dias em que esteve entre nós. Mas
não foi a imagem dele que mudou. Fomos nós quem mudamos. Não falo aqui de
religião, mas de caráter.
No dia 11 de
fevereiro, ao tomar conhecimento da decisão de sua renúncia, vejo novamente
aquele olhar firme e sereno, acompanhado de sorriso maroto. Vejo novamente a
coragem de um homem que não está disposto a abrir mão de convicções ou
princípios para ganhar ibope. Vejo o mesmo homem sereno que, por motivos
previstos, deixa seu cargo à disposição, em atitude que é verdadeira
chacoalhada moral naqueles que enxergam nos cargos oportunidades de
autoafirmação.
A figura
humana e intelectual de Bento XVI é paradigma para assuntos de fé e moral.
Tirando o Papa, o que sobra? A política? Os opositores da verdade não sabem por
que o criticam e até querem certa distância mesmo não o conhecendo bem: o
preconceito tornou-se mais confortável do que a imparcialidade. Virá, sim, um
novo Papa – mais alto, mais baixo ou mais extrovertido. Tanto faz. Percebi que
as pessoas não têm medo do Papa, mas da verdade.
Escrevo do
que vi e vivi. Fechando meus olhos, agradeço a oportunidade de ter conhecido de
perto um ser humano tão diferenciado e iluminado. Enquanto isso, escuto
novamente aquele grito de milhares e milhares de pessoas pelas ruas
brasileiras: Papa, eu te amo!
Fonte: www.gazetadopovo.com.br
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