quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O homem por trás das vestes brancas



Arquivo pessoal /


A experiência de Alvaro Siviero, pianista...

A imagem pública de Bento XVI é bastante popular, mas o mesmo não se pode dizer de alguns aspectos de sua vida privada. Poucos sabem, por exemplo, que o Papa gosta muito de gatos a ponto de escrever um livro infantil sobre o assunto, ou que ele é um pianista dedicado que aprecia a obra de Bach. Confira nesta página alguns fatos curiosos sobre a personalidade e a vida de Bento XVI.

Quando recebi a confirmação de que seria o pianista a apresentar-se em recital para Bento XVI, durante os dias em que estaria no Brasil, fiquei sem reação. Ao desligar o telefone, continuei em silêncio por um bom tempo. Um mix de medo e confusão. E comecei a vasculhar diversas biografias. 

Bento XVI não era um teólogo de ambientes somente eclesiásticos, mas havia sido professor em Universidades do Estado Alemão – Universidades Civis – de profundo caráter científico. Enquanto o teólogo dava sua aula, a sala contígua poderia estar sendo ocupada por um racionalista, um panteísta ou um luterano e, ao deixar a sala, o seu lugar poderia ser ocupado por uma pessoa sem a menor preocupação pela tradição ou pelas convicções cristãs. Sem dúvida, um ambiente de intenso diálogo. Com oito doutoramentos honoríficos, e um apaixonado por Mozart e Bach, o calibre intelectual da pessoa que estaria à minha frente estava delineado. Sua profunda vocação era a de estudar, dar aulas, pesquisar e publicar. Um homem que, não tendo medo de fazer análises valentes, tem a igual valentia de abrir mão de suas conclusões, em exercício de verdadeira humildade intelectual. Um homem aberto à verdade. 

Quando fui apresentado a Bento XVI – éramos muito poucos os que ali estávamos – caí de joelhos. Foi uma reação instantânea, inconsciente. A densidade, simplicidade e verdade de seu olhar criaram um abismo de desproporção em minha pessoa. Contraditoriamente, uma grande paz invadiu minha alma. Senti-me diante de um paizão, sem necessidade de aparências.

“Alvaro, devemos fazer um concerto”, disse para mim. Os diversos detalhes de atenção que dirigia a todos os que ali estávamos. Um homem esquecido de si.
Um dos momentos mais marcantes – são muitos – ocorreu durante o recital. Ao terminar a Fantaisie-Impromptu, de Chopin, Bento XVI entusiasticamente iniciou os aplausos diante dos presentes. Pensei: um Papa me aplaudindo? Entre lágrimas, entendi na prática que os grandes da humanidade se fazem humildes. E durante todo o tempo em que estive ao piano – por mais de uma hora – ele continuamente me perseguia com o olhar. Nossos olhares se entrecruzaram dezenas de vezes. Uma amizade instantânea que brota quando se coloca o coração e se quer o outro de verdade. 

Eu me perguntava: de onde provém a imagem do “linha-dura”, o “mão de ferro”, o “rotweiller de Deus”? “É muito mais difícil destruir uma imagem pública quando ela já está consolidada no imaginário coletivo. João Paulo II lutou contra as guerras, contra os abusos dos direitos humanos, levou um tiro, perdoou Ali Agca, visitou sinagogas e viajou a regiões esquecidas. Ao posicionar-se a favor da vida, da fidelidade, da família, a mídia anticatólica não conseguiu pintar a imagem de lunático contraditório. Antes do início do conclave, viam-se muitos papáveis sendo analisados e rotulados sob um prisma dialético: progressistas (os melhores) ou conservadores (piores), incluindo-se aqui o então cardeal Ratzinger, em tentativa de pegar o novo Papa na antimão, iniciando antes dele esse trabalho de formação da opinião pública. Esse trabalho não foi feito com Paulo VI, com João Paulo I ou João Paulo II. 

Ao ser eleito, iniciaram-se os disparos da metralhadora giratória sensacionalista contra um homem que acredita que o mundo deve se moldar a Deus e não o contrário. “Como é possível ter antipatia instantânea por um homem que gastou sua vida em salas de aula e escritórios?”, concluia o biógrafo Pablo Blanco (Leia artigo do biógrafo na página 8). E a imagem de Bento XVI diante do povo brasileiro mudou radicalmente após os poucos dias em que esteve entre nós. Mas não foi a imagem dele que mudou. Fomos nós quem mudamos. Não falo aqui de religião, mas de caráter.

No dia 11 de fevereiro, ao tomar conhecimento da decisão de sua renúncia, vejo novamente aquele olhar firme e sereno, acompanhado de sorriso maroto. Vejo novamente a coragem de um homem que não está disposto a abrir mão de convicções ou princípios para ganhar ibope. Vejo o mesmo homem sereno que, por motivos previstos, deixa seu cargo à disposição, em atitude que é verdadeira chacoalhada moral naqueles que enxergam nos cargos oportunidades de autoafirmação. 

A figura humana e intelectual de Bento XVI é paradigma para assuntos de fé e moral. Tirando o Papa, o que sobra? A política? Os opositores da verdade não sabem por que o criticam e até querem certa distância mesmo não o conhecendo bem: o preconceito tornou-se mais confortável do que a imparcialidade. Virá, sim, um novo Papa – mais alto, mais baixo ou mais extrovertido. Tanto faz. Percebi que as pessoas não têm medo do Papa, mas da verdade. 

Escrevo do que vi e vivi. Fechando meus olhos, agradeço a oportunidade de ter conhecido de perto um ser humano tão diferenciado e iluminado. Enquanto isso, escuto novamente aquele grito de milhares e milhares de pessoas pelas ruas brasileiras: Papa, eu te amo!

Fonte: www.gazetadopovo.com.br

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