segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O Desaparecimento dos Adultos - Parte 2



A dificuldade de crescer na sociedade tecnológica

A cultura dita tecnológica se impõe hoje, não só pela difusão de instrumentos sempre mais sofisticados, principalmente pela possibilidade de planificar a existência de uma maneira impensável às gerações precedentes[vii]. E isso, especialmente, em nível de natalidade. Em tal campo, apareceram termos usados sempre mais frequentemente, até surgir o slogan que resume uma concepção de vida: “procriação responsável”, filhos “queridos e desejados”, ou mesmo “programáveis”.

Parece assim ter-se realizado o sonho, desejado por Freud no fim do século XIX, de poder separar a concepção da pulsão erótica: tal separação não favoreceu, todavia, como esperava o fundador da psicanálise, o “triunfo da humanidade”[viii]. Mais precisamente essa levou a um empobrecimento psicológico e afetivo, nunca antes conhecido, uma verdadeira “revolução antropológica”, para retomar o subtítulo de um livro de Marcel Gauchet.

Desde o seu nascimento, o ser humano tem a ânsia de que, no fundo, poderia não ter sido desejada e que deve, de qualquer modo, “merecer” ter vindo ao mundo, correspondendo às fortes expectativas dos seus pais. Como observa Gauchet: “Disso pode derivar a invencível fé na própria sorte, ou, ao contrário, a sensação de irremediável precariedade da própria existência. Em relação àquele desejo que o subtraiu ao destino comum, manterá muitas vezes uma irredutível aflição [...]. Um filho é cada vez mais desejado quanto menos é filho da natureza; mais é fruto de um artifício, qualquer que este seja, menos é aquilo que deve ser: o filho de seus pais”[ix].

Outro aspecto paradoxal dessa desenvolvida potencialidade planificadora é que a acurada seleção do nascituro corresponde sempre menos àquela atenção afetiva e educativa indispensáveis para educá-lo, tornando-o um adulto responsável. O filho se encontra, ao contrário, sufocado pela atenção dos pais que, depois de o terem programado por tanto tempo, veem nele a possibilidade de realizarem suas expectativas, muitas vezes até de preencherem seus vazios e suas incompetências.

A criança corre o risco, assim, de ser bem cedo tratada como um mini adulto, sobretudo se está sendo criada por um genitor solteiro: nesse caso, forte será a tendência a depositar no filho esperanças e expectativas que na verdade deveriam estar voltadas ao próprio companheiro, dando origem àqueles perversos díades nas quais o filho ou a filha são chamados a tornarem-se respectivamente “vice-marido” ou “vice-esposa” do próprio genitor, impedindo-se de viver a etapa infantil e a própria filiação, duas condições essenciais para a maturidade psíquica, cognitiva e afetiva[x].

A “síndrome do filho único”, vista em outras ocasiões[xi], parece confirmar essa inconsciente agitação, o desconforto de lidar com a polaridade desejo/rejeição dos pais. Ele se torna assim esmagado pelas expectativas dos pais, da mesma forma que um brinquedo é chamado a compensar as carências dos adultos.

Tudo isso contribui à incapacidade de um filho se tornar adulto; incapaz, sobretudo, de saber o que verdadeiramente quer da própria vida. Uma vez crescido, aquele menino ou aquela menina procurarão de fato aquela infância perdida que jamais tiveram, recusando-se a crescer.

A Síndrome de Peter Pan

A rejeição ao crescimento é um fenômeno em expansão, também desde o ponto de vista geracional, a tal ponto de ocupar a vida inteira do homem. Essa situação de “bloqueio interior”, de impossibilidade de se passar à fase adulta da vida, foi recentemente ratificada como categoria psicológica, chamada de Síndrome de Peter Pan através da obra do psicólogo junguiano Dan Kiley. Ele se inspira no célebre romance de James Barrie Peter and Wendy, publicado em 1911, embora tenha conseguido maior fama o título escolhido para a representação teatral, de 1904 (Peter Pan: o menino que nunca quis crescer).

A escolha do personagem, protagonista do romance, já é por si significativa. Peter era também o nome do irmão de James que morreu aos catorze anos num acidente de patinagem; enquanto Pan, na mitologia grega, era filho de Ermes e da filha de Driope, que o rejeitou, abandonando-o ao seu destino[xii]. Como na mitologia e no romance de Barrie, também na Síndrome de Peter Pan à base da condição instável e errante desse personagem é principalmente a ausência de relações afetivas importantes, em particular com os pais, vistos como frios e distantes, ou incapazes de suscitar respeito[xiii].

Desse modo, quem sofre dessa síndrome busca a própria infância perdida, comportando-se como se o tempo tivesse parado, assumindo por toda a vida a instabilidade psíquica e afetiva própria da adolescência, prisioneiro “no abismo entre o homem que não se quer tornar e o garoto que não se pode continuar a ser”[xiv]. E se essa pessoa, no meio tempo, também se casa, acaba por entrar em concorrência com os próprios filhos, imitando-lhes os comportamentos e os modos de pensar. Como confessava uma jovem desconsolada: “meu pai não faz outra coisa a não ser correr atrás das minhas amigas e depois quer se confidenciar comigo”[xv].

Por sua vez, os filhos, colocados no mesmo nível dos seus pais, tendem a comportarem-se como adultos: desse modo, nenhum dos dois vive as responsabilidades e peculiaridades da própria etapa de vida; como num jogo perverso, esses vêm trocados, invertendo perigosamente o significado da derrota edípica: “Se olhamos atentamente ao conteúdo da TV, podemos encontrar uma documentação bastante precisa não somente do nascimento da ‘criança adulta’, mas também do adulto ‘feito criança’ [...] Salvo raras exceções, os adultos na televisão não tomam seriamente o próprio trabalho, não educam seus filhos, não participam na vida política, não praticam nenhuma religião, não representam nenhuma tradição, não têm capacidade de pensar o próprio futuro ou de formular seriamente projetos de vida, não são capazes de fazer longos discursos e não são nunca capazes de evitar comportamentos dignos de uma criança de oito anos”[xvi].

Na atual sociedade “líquida” a fase adulta corre o risco assim de reduzir-se a uma expressão de meros dados sem mais responsabilidades específicas que a caracterizam e, sobretudo, a diferenciam das fases precedentes da vida, conferindo-lhe uma identidade: ser adultos era sinônimo de ser maduros, não certamente como as crianças, mas capazes de assumir responsabilidades. Essas características aparecem sempre mais raramente, ao ponto em que “não é excessivo falar de uma liquidação da idade adulta. Estamos assistindo a uma desagregação daquilo que significava maturidade[xvii].

Tradução ao português:
Pe. Anderson Alves e Joyce Scoralick.

[vii] Veja-se as célebres análises de HEIDEGGER, M. “A questão da técnica”, In ID., Saggi e discorsi, Milano, Mursia, 1991, p. 5 -27.
[viii] PREUD, S. “La sessualità nell’etiologia delle neurosi”, in ID., Opere (1892-98), Torino, Boringhieri, 1968, 410.
[ix] Cfr. GAUCHEI, M. Il figlio del desiderio. Una rivoluzione antropologica, Milano, Vita e Pensiero, 2010, 70; cfr. 49. Cfr. os problemas levantados por PAROT, F. – TEITBAUM, E. Des enfants sans toi ni moi, Paris, Flammarion, 2002, e por J. HABERMAS, segundo o qual programar o nascimento comporta a “dificuldade de conceber-se como autônomo”, também desde o ponto de vista da responsabilidade moral (L’avenir de la nature humaine. Vers un éugenisme liberale, Paris, Gallimard, 2002, 82).
[x] O célebre estudo de Miller sobre o alto custo que a nível afetivo paga a criança “constituída dote”, isto é, sensível a acolher a necessidade do progenitor, reprimindo o próprio, se insere nesta perversa dinâmica relacional, na qual os papéis são trocados. Esta afetividade reemerge na idade adulta nos níveis nas quais tinha sido congelada, e, uma vez adulto e progenitor, traz à tona uma série de desejos desatendidos. Frequentemente tal situação está na origem da atração de profissões relacionadas com o escutar e à ajuda, como a psicoterapia. Miller resume a própria experiência dos seus vinte anos em relação a três elementos fundamentais: “1) estava sempre presente uma mãe profundamente insegura no campo emotivo, a qual para o próprio equilíbrio afetivo dependia de um certo comportamento ou modo de ser de criança. Essa insegurança podia facilmente ficar velada à criança e às pessoas do seu ambiente, escondida atrás de uma fachada de du­rezaautoritária ou inclusive totalitária; 2) a essa necessidade da mãe ou dos dois progenitores, correspondia uma surpreendente capacidade da criança de percebê-lo e de dar-lhe resposta intuitivamente; 3) em tal modo a criança se assegurava ‘o amor’ dos pais. Ela percebia que tinham necessidade dela e isso legitimava a sua vida e o seu existir” (MILLER, A. Il dramma dei bambino dotato e la ricerca del vero sé, Torino, Borin­ghieri, 1999, 16 s). Daqui vem a dinâmica instintiva de ajuda aos outros, mesmo na escolha da profissão, mas em forma perturbada, tendendo ao apagamento dos vazios afetivos que não ficaram resolvidos no curso da infância.
[xi] Cfr. CUCA, «Il matrimonio, ultimo simbolo di eternità dell’uomo occidentale», in Civ. Catt. 2011 II 431 433. Cfr. PHILIPS, A. I «no» che aiutatino a crescere, Milano, Feltrinelli, 1999, 47 s.
[xii] Cfr. GRIMAL, P. Mitologia, Milano, Garzanti, 2006, 475.
[xiii] KILEY, D. The Peter Pan Syndrome: Men Who Have Never Grown up, New York, Avon Books, 1984, 26 s.
[xiv] Ivi, 23.
[xv] RECALCATI, M. «Dove sono finiti gli adulti?», cit., 56.
[xvi] POSTMAN, N. La scomparsa dell’infanzia, Roma, Armando, 1984, 156; cfr. OLIVERIO FERRARIS, A. La Síndrome Lolita. Perché i nostri figli crescono troppo in fretta, Rizzoli, 2008.
[xvii] GAUCHET, M. Il figlio del desiderio…, cit., 42; cursiva no texto. Cfr. BOUTINET, J. P. L’immaturité de la vie adulte, Paris, PUF, 1998; ID., Psychologie de la vie adulte, ivi, 2002; ANATRELLA, T. Interminables adolescences. La psychologie des 12/30 ans, Paris, Cerf-Cujas, 1998; LADAME, F. Gli eterni adolescenti, Milano, Salani, 2004.
 

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