Não é de hoje, e com persistência, as
grandes empresas jornalísticas de nosso País, sempre que atingem amplo espaço
público questões pertinentes à defesa da vida, ou à reflexão sobre a família,
vociferam, dogmáticas, em defesa do que chamam: o Estado laico
Querem estabelecer que a República
laica não tolera o tratamento de assuntos religiosos, confinados, então, à
consciência individual de cada uma das pessoas, e inaceitáveis à difusão
pública.
Isso nada tem a ver com República laica.
Conduz-nos a gritante erro essa imposição do pensar, “politicamente correto”, a
que nos submete o stablishment midiático.
O consagrado Professor de Direito
Constitucional José Gomes Canotilho, em sua obra Direito Constitucional – 4ª
edição – a partir do estudo dos parâmetros republicanos da Constituição
portuguesa de 1911, que encerrou o sistema monárquico, é correto no ensinar
que:
“2. República laica
Se no tocante à estrutura
organizatória da República a Constituição de 1911 não fez senão recolher as
idéias do liberalismo radical (e nem todas), quanto a outros domínios tentou
plasmar positivamente, em alguns artigos, o seu programa político. Um dos
pontos desse programa era a defesa de república laica e democrática. O
laicismo, produto ainda de uma visão individualista e racionalista,
desdobrava-se em vários postulados republicanos: separação do Estado
e da Igreja, igualdade de cultos, liberdade de culto, laicização do ensino, manutenção da legislação referente à extinção das
ordens religiosas (cfr. art. 3º, nºs 4 a 12). O programa republicano era um programa racional e progressista: no
fundo, tratava-se de consagrar constitucionalmente uma espécie de “pluralismo
denominacional”, ou seja, a presença na
comunidade, com iguais direitos formais de um número indefinido de
colectividades religiosas, não estando nenhuma delas tituladas para desfrutar
de um apoio estadual positivo.” (obra citada – pg. 247/8, grifei)
Portanto, Estado laico não é Estado ateu. Não é Estado que proíba sejam abordados
temas religiosos no cotidiano das pessoas que nele vivem.
O Estado laico, justo porque
democrático e plural, é o que garante a
convivência pacífica e respeitosa dos que professam os mais variados credos,
inclusive os que credo não tem.
O Estado laico, insisto, respeita as
convicções religiosas e sua livre expressão.
O mesmo emérito Professor José Gomes
Canotilho, já agora analisando o tema à luz dos
preceitos da Constituição portuguesa de 1976, demonstra como o
texto moderno enfatiza a ampla liberdade de manifestação religiosa. De se ler:
“2.2. A deslocação constitucional
da “República laica”
1. A “laicidade da República”, a “República laica”, é também uma das noções
ligadas à tradição republicana. Para além dos
“momentos emocionais” que o laicismo republicano transporta, pode dizer-se que ele assenta principalmente em três princípios:secularização
do poder político,neutralidade do Estado perante as Igrejas, liberdade de
consciência, religião e culto. Todavia, a Constituição de 1976, embora
herdando alguns dos princípios republicanos de 1910 (cfr. supra, Parte II, Cap.
3, E, I), não adjectivou a República Portuguesa como “República laica” e
deslocou os problemas fundamentais do “laicismo” para o âmbito dos direitos
fundamentais. Para além de evitar
a reposição da “questão do clericalismo”, a Constituição considerou que,
verdadeiramente, o que estava em causa eram problemas relativos a direitos,
liberdades e garantias: liberdade de consciência, de religião e de culto,
proibição de discriminação por motivos de convicções ou práticas religiosas,
liberdade de organização e existência das igrejas e comunidades religiosas,
liberdade de ensino da religião e o princípio da igualdade perante o Estado de todas as religiões (cfr. art.
41º).” (obra citada – pg. 410/411, grifei)
Nossa Constituição partilha dessa
mesma diretriz, visto que, expressamente, no inciso VI, do artigo 5º, afirma
que “é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias”.
O inciso VII também assegura “a
prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de
internação coletiva”, e o inciso VIII não permite, seja privada, qualquer
pessoa, de direitos “por motivo de crença religiosa”.
Todo esse quadro normativo – é óbvio
– não enclausura religiosos, e não religiosos, no espaço único de sua
privacidade.
Religiosos, e não religiosos, com as
respectivas crenças, ou sem qualquer crença, têm o amplo direito de expor essas
suas variadas concepções de viver na cotidiana formação da democrática
sociedade. Democrática porque acolhe, incentiva e resguarda a pluralidade dos
posicionamentos, e democrática, também, porque compreende ser infindável a
interação humana, enquanto vida houver.
Eis preciosos ensinamentos do padre
Mario de França Miranda, como expostos no seu livro: “Igreja e Sociedade”:
“Hoje já se reconhece que as
religiões têm algo a oferecer à sociedade civil. São elas quedenunciam a marginalização a que são condenados os mais pobres, bem como as
injustiças de políticas econômicas. São elas que oferecem uma esperança que sustenta e mobiliza os mais
fracos. São elas que, livres de um
dogmatismo doutrinário e impositivo, oferecem motivações e intuições substantivas ( e não apenas funcionais ) para as
questões sujeitas ao debate público. São elas que, numa sociedade neoliberal e
prisioneira de um racionalidade funcional em busca de resultados. Desmascaram a frieza burocrática e tecnocrática apontando
os efeitos devastadores de certas decisões. São elas que, para além das
macrossoluções milagrosas, apontam para a responsabilidade de
cada um e para a imprescindível rejeição de um individualismo cômodo,sem as quais a ética na vida pública
ou o problema ecológico não serão solucionados. Aqui a sabedoria religiosa talvez possa ser mais eficaz do que muitos
discursos dos tecnocratas.”
( pg. 139-40, grifos do autor e meu
).
E, em síntese, correta,
prossegue Mario de França Miranda:
“Porque a sociedade civil pode se
tornar presa de ideologias totalitárias, prisioneira da lógica de resultados,
ou do sistema econômico dominante, ela necessita de uma
instância que a transcenda e a questione, que a desestabilize beneficamente e
que a faça progredir.”
( pg. 141, grifos do autor e meu ).
Assuntos de tamanha relevância pedem
tratamento cuidadoso e responsável, pena comprometer-se a importante missão não
só de informar, mas de formar a opinião pública.
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