Entrevista com especialista em
bioética, Pe. Helio Luciano
O
Conselho Federal de Medicina, órgão que representa os mais de 400 mil médicos
brasileiros, em nota do dia 21 de março (pode ser lida clicando aqui) posicionou-se a favor da
“liberdade e autonomia da mulher”, ou seja, do aborto.
“Para
chegar a esse posicionamento, os Conselhos de Medicina se debruçaram sobre o
tema durante vários meses”, afirma a nota, dizendo que diversos segmentos foram
ouvidos e analisados vários “estudos e contribuições”. E, por fim que
“Representantes de grupos religiosos também foram chamados a colaborar,
apresentando seu ponto de vista”.
“Por
que não foi chamado ninguém do movimento “Brasil sem aborto”, entidade supraconfessional que representa a
maioria dos segmentos sociais contrários ao aborto?
Por que não foi
consultada a Comissão Família e Vida da CNBB, que representa a Igreja no
Brasil nesta temática?”, se pergunta – em entrevista à ZENIT - Pe. Hélio
Luciano, especialista em bioética e membro da comissão de bioética da CNBB. E
responde: “Será que estas pessoas e instituições poderiam ter argumentos fortes
contra o aborto, que deslocaria a decisão dos membros do CFM em uma posição
contrária ao mesmo?”.
Nesse
posicionamento explora-se amplamente o princípio da “autonomia da mulher”,
afirmou Pe. Hélio, mas “De nenhum modo negamos tal princípio, importantíssimo e
uma grande conquista das últimas décadas. O problema é passar de uma autonomia
a um autonomismo, no qual a liberdade real de um indivíduo
deveria ser considerada sobre a liberdade dos demais.
Acompanhemos
a entrevista que Pe. Hélio concedeu a ZENIT:
ZENIT:
O Conselho Federal de Medicina tomou uma decisão correta, eticamente falando?
Pe.
Hélio: Há algumas semanas, antes da última
reunião do CFM em Belém - reunião que decidiu pelo apoio à defesa do aborto em
qualquer situação até a décima segunda semana de gestação – tivemos acesso ao
documento composto por uma equipe de trabalho do CFM. Tal documento
apresenta-se como imparcial, mas a parcialidade em relação à defesa do aborto é
bastante aberta em toda a parte geral do texto, deixando apenas, no final, um
pequeno documento de alguém contrário ao aborto.
O
mais surpreendente, sob o nosso prisma, é que o tema é tratado a partir de uma
contraposição entre a fé e a razão, ou seja, o aborto é defendido a partir de
uma postura racional, com argumentos e dados científicos, enquanto a posição
contrária ao aborto é colocada como uma posição meramente baseada na religião.
Aqui não entramos no mérito da fiabilidade dos dados fornecidos – apesar das
cifras de mulheres que morrem anualmente em decorrência do aborto, segundo os
números citados, serem superiores ao número de mulheres em idade fértil que
morrem por ano (contando todas as causas de morte) – mas na falta de dados
científicos e racionais para contrapor o aborto. É fato que a partir da
concepção temos um organismo humano, com DNA humano, diferente daquele dos seus
pais e pertencente à espécie homo sapiens sapiens. Este novo ser humano
tem capacidade de desenvolver-se como um organismo individual, sem nenhuma
solução de continuidade no seu desenvolvimento orgânico, que poderá durar mais
de cem anos. Colocar que o início da atividade orgânica deste novo indivíduo
está na formação de alguma estrutura específica é desconhecer a embriologia
humana e perigosa, pois torna-se sempre aleatória - na Europa já começa a
defender-se o infanticídio por uma coerência com a postura abortista (a
argumentação seria "se a capacidade de ser humano se alcança, por que
deveríamos afirmar que a criança recém nascida já alcançou esta
capacidade?").
O
princípio da autonomia da mulher foi o principal argumento apresentado
para a defesa do aborto. De nenhum modo negamos tal princípio, importantíssimo
e uma grande conquista das últimas décadas. O problema é passar de uma autonomia
a um autonomismo, no qual a liberdade real de um indivíduo deveria ser
considerada sobre a liberdade dos demais. A autonomia do ser humano
presente no ventre da mãe também deve ser considerada. Ainda que tal autonomia
não possa ser exercida por ele mesmo, deve ser defendida - o próprio nascimento
do Direito foi exatamente para defender aqueles que não poderiam fazer por si
mesmos. Os dois valores em jogo – liberdade da mãe e vida do filho – devem ser
colocados na balança e deve-se respeitar aquele com maior peso. Considerando
que a liberdade é um valor que depende da vida, parece claro que o respeito à vida
deste ser humano deve ser superior ao respeito da liberdade da mulher.
Considerando
tudo que foi dito até o momento, podemos dizer que foi um erro grave a postura
tomada pelo Conselho Federal de Medicina. Repito que foi um erro não só do
ponto de vista moral-religioso, mas também de um ponto de vista ético-racional,
desrespeitando o próprio ser humano.
ZENIT:
Estar de acordo com a liberdade da mulher, de resolver ou não abortar, é o
mesmo que apoiar o aborto?
Pe.
Hélio: O que está em jogo aqui não é estar de
acordo com a liberdade de ninguém - toda pessoa de bom senso está de acordo com
a liberdade dos demais. Porém, é necessário entender que a liberdade tem limite
e que atos que não respeitem estes limites não são atos livres, mas violência
contra outro ser. Deste modo o ladrão quando rouba não está exercendo
propriamente a sua liberdade, mas está agredindo um terceiro.
Sendo
assim, estar de acordo com um ato de violência implica também uma culpa.
E a culpa será maior quanto maior a responsabilidade da pessoa ou instituição
que expressa a sua opinião. No caso do aborto, entendemos que a maioria das
mulheres se encontra em uma situação delicada que não encontram outra saída -
ainda que sempre exista. Essas mulheres, devido à gravidade de cada situação, podem
ter a culpa diminuída.
Pelo
contrário, as instituições como o Conselho Federal de Medicina (nas pessoas que
o representam), terão uma culpabilidade grande se, pelo seu posicionamento em
relação ao aborto, este procedimento for aprovado no Brasil. Neste posicionamento
não estão envolvidas questões sentimentais e econômicas graves – que poderiam
diminuir sua culpabilidade – mas está envolvida a simples ideologia e o
desconhecimento do valor da vida humana, colocado debaixo de um pretenso ato de
liberdade.
ZENIT:
O CFM chama em si o direito da democracia, de que cada um tenha a sua própria
opinião, e a possa expressar.
Pe.
Hélio: Nos últimos anos estamos vivendo o que
o Beato João Paulo II e o Papa Bento XVI chamavam de “ditadura do relativismo”.
Somos todos obrigados a não ter opinião própria, mas considerar que
todas as opiniões possuem igual conteúdo de verdade. Tal posição, além de
excluir e acusar de fundamentalismo todas as posturas que defendam uma verdade
– de modo especial a Igreja – é em si mesma falha e contraditória: se todas as
afirmações são relativas, o próprio relativismo é relativo. Se colocarmos um
exemplo, talvez possamos entender melhor: uma cadeira é sempre uma cadeira.
Podemos encontrar diversas verdades sobre a cadeira – que tem “pés”, que tem um
lugar para sentar, que serve para descansar – mas nenhuma dessas verdades pode
ser contraditória com outra, senão, por questão de lógica, alguma dessas
verdades (ou todas) seria falsam.
Do
mesmo modo podemos ter várias considerações em relação ao aborto – quais sejam,
do ponto de vista sociológico, epidemiológico, moral, ético, religioso, etc. –
porém, nenhuma das mesmas pode ser contraditória entre si. Se dissermos que um
embrião é um ser humano e que todo ser humano inocente tem direito à vida, não
podemos simplesmente nos contradizer aceitando também uma verdade que a autonomia
da mãe tem direito sobre a vida do seu filho.
Mas
estas argumentações racionais, atualmente, são diluídas e esvaziadas com a
alegação de que são argumentação religiosa. Não importa o grau de
racionalidade das mesmas – se vem de alguém que tem fé, simplesmente não é mais
uma das tantas “verdades” válidas. A democracia amplamente defendida
pela sociedade atual é válida somente para alguns – as pessoas com fé não tem
direito a participar da mesma, ainda que seus argumentos sejam racionais.
ZENIT:
O CFM não terá passado por cima do conceito de democracia ao tomar uma posição
sem respeitar realmente a opinião dos médicos que ele representa?
Pe.
Hélio: Defender a violação da vida de um ser
inocente é muito mais que passar por cima da democracia. Um simples documento
de trabalho feito por poucas pessoas e discutido em um congresso com membros
dos Conselhos Regionais de Medicina não pode ser decisivo para questões tão
complexas como o aborto.
O
ideal seria uma ampla consulta aos médicos – a quem o Conselho representa –
para saber a opinião dos mesmos.
ZENIT:
Diz a nota do CFM que foi consultado uma ampla parte da sociedade, até mesmo os
setores religiosos, mas parece ser que isso não foi feito, porque a notícia
pegou a todos de surpresa. A mesma CNBB, por meio de Dom Petrini, lançou uma nota de repúdio a essa decisão do
CFM.
Pe.
Hélio: Quando tratamos questões sérias, como
é o caso do aborto, temos o dever de fazer uma consulta a todos os setores da
sociedade, como o CFM afirmou ter feito. Não se pode dizer que esta consulta
foi feita simplesmente porque falamos com algumas pessoas (sem considerar que
as pessoas procuradas, em sua maioria eram favoráveis ao aborto). O fato de
terem colocado no documento de trabalho um texto contrário ao aborto –
sendo que todo o demais eram favoráveis a esta prática – e terem chamado um
sacerdote para falar ao público, não implica uma ampla consulta àqueles que
são contrários ao aborto e nem uma consulta real à Igreja.
Por
que não foi chamado ninguém do movimento “Brasil sem aborto”, entidade
supraconfessional que representa a maioria dos segmentos sociais contrários ao
aborto? Por que não foi consultada a Comissão Família e Vida da CNBB, que
representa a Igreja no Brasil nesta temática? Será que estas pessoas e
instituições poderiam ter argumentos fortes contra o aborto, que deslocaria a
decisão dos membros do CFM em uma posição contrária ao mesmo?
Quando
se quer aprovar alguma postura de forma arbitrária, não se faz consulta ampla à
sociedade e a seus diversos segmentos – dos quais a Igreja é um deles – mas
simplesmente se tenta maquiar aquilo que já tinha sido decidido com tintas de
democracia.
Esperamos
que o Conselho Federal de Medicina, na seriedade e competência que sempre o
caracterizou, possa voltar atrás na sua decisão e abrir de fato o diálogo amplo
com a sociedade, com os médicos que representa, e também com os setores
favoráveis e contrários ao aborto. Deste diálogo poderemos todos sair mais
maduros e com uma decisão que de fato represente o respeito à vida – os médicos
foram chamados para cuidar da vida e não para suprimi-la.
Fonte: Zenit
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por seu comentário! Deus abençoe!