Dom Alberto Taveira Corrêa, Arcebispo
de Belém do Pará, escreveu sobre a "Radicalidade". Transcrevemos aqui
seus pensamentos, na íntegra:
A experiência autêntica da fé, posta em
luz pela convocação de um ano destinado a fazer crescer nos cristãos a
consciência de suas convicções e a testemunhá-las corajosamente, traz
consigo consequências a um tempo consoladoras e exigentes.
Jesus Cristo não é um escritor de obras
famosas, como muitos de todos os tempos, até porque a única vez que o
vemos escrevendo foi na areia, no conhecido episódio da mulher adúltera
(cf. Jo 8). O vento apagou logo seus poucos escritos, mas nada apaga o
que ele é, tanto que muitos escreveram o que disse e fez, para
conhecermos a solidez dos ensinamentos (cf. Lc 1,4). Seria muito pouco
considerá-lo apenas um mestre, ainda que tenha arrebanhado atrás de si
discípulos, dentre os quais queremos também ser reconhecidos. Ele é
Redentor, Salvador, Filho de Deus! Não corremos atrás de ideias, mas
seguimos uma pessoa, nada menos do que o Verbo de Deus feito carne.
Diante dele todo joelho se dobre e toda língua proclame que é "o" Senhor
(cf. Fl 2,5-11).
Homens e mulheres de todas as raças,
povos, línguas e nações (cf. Ap 7,9-10) o seguem e o reconhecem Deus
verdadeiro, o Cordeiro que tira o pecado do mundo, aquele que tem a
chave para abrir o livro da vida (cf. Ap 5,1-14) de todas as pessoas
humanas e da história. Encontrá-lo e aderir a Ele, na fé, dá sentido à
existência e possibilita entender os intrincados caminhos da aventura
humana nesta terra.
Tudo isso é magnífico e ecoa
altissonante pelos caminhos da história. No entanto, viver a fé cristã é
algo que se expressa na simplicidade do dia a dia, com gestos que podem
parecer prosaicos, mas são densos de sentido. Não se trata, em primeiro
lugar, de fazer grandes coisas, mas de realizar com alma grande os
pequenos gestos. A aventura cristã no mundo é marcada pela radicalidade
no seguimento corajoso de Jesus Cristo. Aquele que não se apegou a si
mesmo, mas deu tudo, tomando a forma de escravo, tornando-se semelhante
ao ser humano (Fl 2,7), pede a resposta e a reciprocidade da entrega de
vida de cada cristão. Dizer "eu creio" é povoar o horizonte da
existência com gestos que revelem esta radicalidade.
No Evangelho de São Marcos, verdadeiro
documento de identidade de Jesus Cristo (cf. Mc 1,1), o leitor é
provocado a ir ao encontro do Senhor, para reconhecê-lo como Filho de
Deus. Mas os modelos oferecidos por Jesus surpreendem pela simplicidade e
eloquência de seus gestos e atitudes. Um deles é apresentado pela
palavra proclamada nas missas do presente final de semana (Mc 12,
38-44).
A prática religiosa de muitos aos quais
havia sido confiada justamente a responsabilidade pela orientação do
povo, tinha se reduzido à competição, carreirismo, exploração e
exterioridades estéreis. A plebe ignara era relegada à margem, os pobres
e tanta gente simples considerados massa sobrante diante dos
privilegiados da sociedade e da religião. De repente, vem Jesus Cristo,
depois de uma viagem pelas margens do Jordão, Jericó e o deserto de
Judá, e entra em sua cidade de Jerusalém, acolhido com hosanas pelo
povo. Radicaliza-se o confronto com as autoridades, vistas como figueira
que não dá fruto (Mc 11,14), purifica o templo, enfrenta o bombardeio
de perguntas que são verdadeiras armadilhas (Mc 12,13-34) e contempla,
tranquilo, os gestos das pessoas que fazem suas ofertas.
Uma pessoa chama a atenção e é escolhida
como um dos modelos privilegiados, uma pobre viúva que versa no cofre
das esmolas apenas duas moedinhas, tudo aquilo que tinha para viver (Mc
12,42-44). Deu mais porque deu tudo! Jesus tem um modo radicalmente
diferente para entender as pessoas e a vida. Acreditar nele é mudar a
mentalidade e enxergar o sentido profundo de gestos semelhantes ao da
viúva. Provavelmente, só no Céu ela soube que sua atitude percorre os
séculos e se torna referência para tantas gerações!
O convite da Palavra de Deus nos despoja
de falsas pretensões, desejo de publicidade fácil e orgulho estéril. É
necessário olhar ao redor para identificar quantas viúvas pobres ou
tantas pessoas aparentemente insignificantes, para descobrir os imensos
tesouros de generosidade que edificam a vida e a Igreja. Por outro lado,
trata-se agora de converter-nos à simplicidade, olhar ao nosso redor,
para que ninguém passe em vão ao nosso lado, não desperdiçar qualquer
oportunidade para fazer o bem. E em relação a Deus, o olhar quase
furtivo para o Sacrário, o sinal da Cruz bem feito, as orações mais
simples que sabemos, o desabafo da oração espontânea, a renovação
espontânea da fé, tudo conta, pois o Senhor acolhe os gestos mais
singelos, já que no Céu estão escritos os nossos nomes! (cf. Lc 10,20)
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém
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