"O fogo de Deus, à semelhança dum fogo em brasas, pede para ser reavivado"
Publicamos a seguir a homilia do Papa Bento XVI na Missa celebrada na basílica vaticana por ocasião da conclusão da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos com o tema "A nova evangelização para a transmissão da fé cristã".
Venerados Irmãos,
Ilustres Senhores e Senhoras,
Amados irmãos e
irmãs!
O milagre da cura do cego Bartimeu ocupa uma posição significativa na
estrutura do Evangelho de Marcos. De fato, está colocado no fim da seção
designada «viagem para Jerusalém», isto é, a última peregrinação de Jesus para a
Cidade Santa, para a Páscoa em que, como Ele sabe, O aguardam a paixão, a morte
e a ressurreição. Para subir a Jerusalém a partir do vale do Jordão, Jesus passa
por Jericó, e o encontro com Bartimeu tem lugar à saída da cidade, «quando –
observa o evangelista – [Jesus] ia a sair de Jericó com os seus discípulos e uma
grande multidão» (10, 46), a mesma multidão que, dali a pouco, aclamará Jesus
como Messias na sua entrada em Jerusalém. Precisamente na estrada estava sentado
a mendigar Bartimeu, cujo nome significa «filho de Timeu», como diz o próprio
evangelista. Todo o Evangelho de Marcos é um itinerário de fé, que se desenvolve
gradualmente na escola de Jesus. Os discípulos são os primeiros atores deste
percurso de descoberta, mas há ainda outros personagens que desempenham papel
importante, e Bartimeu é um deles.
A sua cura prodigiosa é a última que Jesus
realiza antes da sua paixão, e não é por acaso que se trata da cura dum cego,
isto é, duma pessoa cujos olhos perderam a luz. A partir de outros textos,
sabemos também que a condição de cegueira tem um significado denso nos
Evangelhos.
Representa o homem que tem necessidade da luz de Deus – a luz da fé
– para conhecer verdadeiramente a realidade e caminhar pela estrada da vida.
Condição essencial é reconhecer-se cego, necessitado desta luz; caso contrário,
permanece-se cego para sempre (cf. Jo 9, 39-41).
Situado naquele ponto estratégico da narração de Marcos, Bartimeu é
apresentado como modelo. Ele não é cego de nascença, mas perdeu a vista: é o
homem que perdeu a luz e está ciente disso, mas não perdeu a esperança, sabe
agarrar a possibilidade deste encontro com Jesus e confia-se a Ele para ser
curado. Na realidade, ouvindo dizer que o Mestre passa pela sua estrada, grita:
«Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim!» (Mc 10, 47), e
repete-o vigorosamente (v. 48) E quando Jesus o chama e lhe pergunta que quer
d’Ele, responde: «Mestre, que eu veja!» (v. 51).
Bartimeu representa o homem que
reconhece o seu mal, e grita ao Senhor com a confiança de ser curado. A sua
imploração, simples e sincera, é exemplar, tendo entrado na tradição da oração
cristã da mesma forma que a súplica do publicano no templo: «Ó Deus, tem piedade
de mim, que sou pecador» (Lc 18, 13). No encontro com Cristo, vivido
com fé, Bartimeu readquire a luz que havia perdido e, com ela, a plenitude da
sua própria dignidade: põe-se de pé e retoma o caminho, que desde então tem um
guia, Jesus, e uma estrada, a mesma que Jesus percorre. O evangelista não nos
diz mais nada de Bartimeu, mas nele mostra-nos quem é o discípulo: aquele que,
com a luz da fé, segue Jesus «pelo caminho» (v. 52).
Num dos seus escritos, Santo Agostinho observa um particular acerca da figura
de Bartimeu, que pode ser interessante e significativo também hoje para nós. O
santo Bispo de Hipona reflete sobre o fato de Marcos referir, neste caso, não
só o nome da pessoa que é curada, mas também de seu pai, e chega à conclusão de
que «Bartimeu, filho de Timeu, era um personagem decaído duma situação de grande
prosperidade, e a sua condição de miséria devia ser universalmente conhecida e
de domínio público, enquanto não era apenas cego, mas um mendigo que estava
sentado na berma da estrada. Por esta razão, Marcos não o quis recordar só a
ele, porque o fato de ter recuperado a vista conferiu ao milagre tão grande
ressonância como grande era a fama da desventura que atingira o cego» (O
consenso dos evangelistas, 2, 65, 125: PL 34, 1138) . Assim
escreve Santo Agostinho!
Esta interpretação de Bartimeu como pessoa decaída duma condição de «grande
prosperidade» é sugestiva, convidando-nos a refletir sobre o fato que há
riquezas preciosas na nossa vida que podemos perder e que não são materiais.
Nesta perspectiva, Bartimeu poderia representar aqueles que vivem em regiões de
antiga evangelização, onde a luz da fé se debilitou, e se afastaram de Deus,
deixando de O considerarem relevante na própria vida: são pessoas que deste modo
perderam uma grande riqueza, «decaíram» duma alta dignidade – não econômica ou
de poder terreno, mas a dignidade cristã –, perderam a orientação segura e firme
da vida e tornaram-se, muitas vezes inconscientemente, mendigos do sentido da
existência. São as inúmeras pessoas que precisam de uma nova evangelização, isto
é, de um novo encontro com Jesus, o Cristo, o Filho de Deus (cf. Mc 1,
1), que pode voltar a abrir os seus olhos e ensinar-lhes a estrada. É
significativo que, no momento em que concluímos a Assembleia sinodal sobre a
Nova Evangelização, a Liturgia nos proponha o Evangelho de Bartimeu. Esta
Palavra de Deus tem algo a dizer de modo particular a nós que nestes dias nos
debruçamos sobre a urgência de anunciar novamente Cristo onde a luz da fé se
debilitou, onde o fogo de Deus, à semelhança dum fogo em brasas, pede para ser
reavivado a fim de se tornar chama viva que dá luz e calor a toda a casa.
A nova evangelização diz respeito a toda a vida da Igreja. Refere-se, em
primeiro lugar, à pastoral ordinária que deve ser mais animada pelo fogo do
Espírito a fim de incendiar os corações dos fiéis que frequentam regularmente a
comunidade reunindo-se no dia do Senhor para se alimentarem da sua Palavra e do
Pão de vida eterna. Aqui gostaria de sublinhar três linhas pastorais que
emergiram do Sínodo. A primeira diz respeito aos Sacramentos da iniciação
cristã. Foi reafirmada a necessidade de acompanhar, com uma catequese
adequada, a preparação para o Batismo, a Confirmação e a Eucaristia; e
reiterou-se também a importância da Penitência, sacramento da misericórdia de
Deus.
É através deste itinerário sacramental que passa o chamamento do Senhor à
santidade, que é dirigido a todos os cristãos. Na realidade, várias vezes se
repetiu que os verdadeiros protagonistas da nova evangelização são os santos:
eles falam, com o exemplo da vida e as obras da caridade, uma linguagem
compreensível a todos.
Em segundo lugar, a nova evangelização está essencialmente ligada
à missão ad gentes. A Igreja tem o dever de evangelizar, de anunciar a
mensagem da salvação aos homens que ainda não conhecem Jesus Cristo. No decurso
das próprias reflexões sinodais, foi sublinhado que há muitos ambientes em
África, na Ásia e na Oceânia, onde os habitantes aguardam com viva expectativa –
às vezes sem estar plenamente conscientes disso – o primeiro anúncio do
Evangelho. Por isso, é preciso pedir ao Espírito Santo que suscite na Igreja um
renovado dinamismo missionário, cujos protagonistas sejam, de modo especial, os
agentes pastorais e os fiéis leigos. A globalização provocou um notável
deslocamento de populações, pelo que se impõe a necessidade do primeiro anúncio
também nos países de antiga evangelização. Todos os homens têm o direito de
conhecer Jesus Cristo e o seu Evangelho; e a isso corresponde o dever dos
cristãos – de todos os cristãos: sacerdotes, religiosos e leigos – de anunciarem
a Boa Nova.
Um terceiro aspecto diz respeito às pessoas batizadas que, porém, não
vivem as exigências do Batismo. Durante os trabalhos sinodais, foi posto
em evidência que estas pessoas se encontram em todos os continentes,
especialmente nos países mais secularizados. A Igreja dedica-lhes uma atenção
especial, para que encontrem de novo Jesus Cristo, redescubram a alegria da fé e
voltem à prática religiosa na comunidade dos fiéis. Para além dos métodos
tradicionais de pastoral, sempre válidos, a Igreja procura lançar mão de novos
métodos, valendo-se também de novas linguagens, apropriadas às diversas culturas
do mundo, para implementar um diálogo de simpatia e amizade que se fundamenta em
Deus que é Amor. Em várias partes do mundo, a Igreja já encetou este caminho de
criatividade pastoral para se aproximar das pessoas afastadas ou à procura do
sentido da vida, da felicidade e, em última instância, de Deus.
Recordamos
algumas missões urbanas importantes, o «Átrio dos Gentios», a missão
continental, etc.. Não há dúvida que o Senhor, Bom Pastor, abençoará
abundantemente estes esforços que nascem do zelo pela sua Pessoa e pelo seu
Evangelho.
Queridos irmãos e irmãs, Bartimeu, uma vez obtida novamente a vista graças a
Jesus, juntou-se à multidão dos discípulos, entre os quais havia seguramente
outros que, como ele, foram curados pelo Mestre. Assim são os novos
evangelizadores: pessoas que fizeram a experiência de ser curadas por Deus,
através de Jesus Cristo. Eles têm como característica a alegria do coração, que
diz com o Salmista: «O Senhor fez por nós grandes coisas; por isso, exultamos de
alegria» (Sal 126/125, 3). Com jubilosa gratidão, hoje também nós nos
dirigimos ao Senhor Jesus, Redemptor hominis e Lumen gentium,
fazendo nossa uma oração de São Clemente de Alexandria: «Até agora errei na
esperança de encontrar Deus, mas porque Vós me iluminais, ó Senhor, encontro
Deus por meio de Vós, e de Vós recebo o Pai, torno-me herdeiro convosco, porque
não Vos envergonhastes de me ter por irmão. Cancelemos, portanto, cancelemos o
esquecimento da verdade, a ignorância; e, removendo as trevas que nos impedem de
ver como a névoa nos olhos, contemplemos o verdadeiro Deus...; já que, sobre nós
sepultados nas trevas e prisioneiros da sombra da morte, brilhou uma luz do céu
[luz] mais pura que o sol, mais doce que a vida nesta terra »
(Protrettico, 113, 2–114, 1). Amen.
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