Cardeal Mauro Piacenza, Prefeito da Congregação para o Clero concede entrevista exclusiva
Por Antonio Gaspari
Publicamos a seguir
entrevista exclusiva concedida à ZENIT pelo Cardeal Mauro Piacenza, Prefeito da
Congregação para o Clero, em vista do 50° aniversario da abertura do Concilio
Vaticano II.
ZENIT: Eminência, com esta entrevista a Zenit pretende inaugurar uma
série de contribuições para o Ano da Fé, tendo em vista o Concílio Vaticano II,
em ocasião do seu 50º aniversário. Por que tanto debate sobre este evento
eclesial?
Card.Piacenza:O debate é sempre positivo, porque é um sinal de vitalidade e
vontade de aprofundar; e se o tema do debate não é exclusivamente humano, mas um
Concílio Ecumênico, ou seja, um evento humano e sobrenatural, pois é o Espírito
Santo que conduz a Igreja à progressiva e plena compreensão da única Verdade
revelada, então não surpreende que a compreensão dos ditames conciliares
requeiram décadas de discussões – e até mesmo de debates – sempre no sulco da
escuta daquilo que o Espírito Santo quis dizer à Igreja naquele extraordinário
momento.
ZENIT: Qual deveria ser um justo posicionamento diante do
Concílio?
Card.Piacenza: Aquele de escuta! O Concílio Ecumênico Vaticano II foi o
primeiro Concílio da “mídia”, cujas dinâmicas fisiológicas de confronto e
respectivos textos foram imediatamente divulgados pelos meios de comunicação,
que não captou sempre a sua verdadeira expressão e, com frequência, orientou
para uma compreensão mundanizante. Creio que seja particularmente interessante –
e, talvez, necessário – retomar, ou melhor, buscar uma autêntica escuta daquilo
que o Espírito Santo quis dizer à toda a Igreja através dos Padres conciliares.
Tal dinâmica de aprofundamento, este “justo posicionamento” realiza-se através
da leitura direta dos textos. É a partir desta leitura que se pode inferir o
autêntico espírito do Concílio, a sua exata localização dentro da história
eclesial e a gênese editorial.
ZENIT: Algumas escolhas, também do Magistério, às vezes parecem que
vão “contra” o Concílio.
Card.Piacenza:Basta considerar os pronunciamentos do Magistério autêntico
pós-Conciliar, em sua dimensão universal, para constatar que isto não ocorreu.
Entretanto, outra questão é favorecer uma correta recepção das decisões
conciliares, esclarecer o significado de determinadas afirmações e, às vezes,
corrigir devidamente interpretações unilaterais, ou até mesmo erradas,
artificialmente introduzidas por quem lê os eventos pneumáticos eclesiais com
lentes exclusivamente humanas e historicistas. O serviço eclesial do Magistério,
que tem suas próprias raízes na explícita Vontade divina, prepara os Concílios
Ecumênicos, neles atua com sua máxima expressão e, nas intervenções sucessivas,
a eles obedecem, favorecendo uma correta recepção.
ZENIT: O que realmente significa a “hermenêutica da continuidade” de
que fala o Santo Padre?
Card.Piacenza: Segundo aquilo que foi explicitamente indicado pelo Santo
Padre, é o único modo de ler e de interpretar todo Concílio Ecumênico e,
portanto, também o Concílio Vaticano II. A continuidade do único Corpo eclesial,
antes de ser um critério hermenêutico, ou seja, de interpretação dos textos, é
uma realidade teológica que tem suas raízes no ato de fé que nos faz professar:
“Creio na Igreja Una”. Por esta razão não é possível pensar numa espécie de
dicotomia entre o pré e o pós Concílio Vaticano II. Certamente deve ser
reprovado o posicionamento de quem vê no Concílio Ecumênico Vaticano II um “novo
início” da Igreja e também daqueles que vêem a “verdadeira Igreja” somente antes
deste Concílio histórico. Ninguém pode, arbitrariamente, decidir se e quando
inicia a “verdadeira Igreja”. Nascida do costado de Cristo e corroborada pela
efusão do Espírito em Pentecostes, a Igreja é Una e Única, até a consumação da
história, e a comunhão que nela se realiza é para a eternidade.
Alguns sustentam que a hermenêutica da reforma na continuidade seja somente
uma das possíveis hermenêuticas, juntamente com aquela da descontinuidade e da
ruptura. O Santo Padre recentemente definiu como inaceitável a
hermenêutica da descontinuidade (Audiência à Assembléia Geral da Conferência
Episcopal Italiana, 24 de maio de 2012). Além disso, trata-se de algo óbvio,
caso contrário não se seria católicos e se injetaria como que um germe de
infecção e de uma progressiva decadência; se provocaria, igualmente, um grave
dano ao ecumenismo.
ZENIT: Mas é possível que seja tão difícil compreender esta
realidade?
Card.Piacenza: Sabes melhor do que como a compreensão, também de realidades
evidentes, possa ser condicionada por aspectos emotivos, biográficos, culturais
e, até mesmo, ideológicos. É humanamente compreensível que quem viveu durante
sua juventude, o legítimo entusiasmo que gerou o Concílio, desejoso de superar
certas “obstruções” – que deveriam necessária e urgentemente serem tiradas da
Igreja – possa interpretar como perigo de “traição” do Concílio toda expressão
que não coadune com o mesmo “estado emotivo”. É necessário, para todos, um salto
radical de qualidade na aproximação dos textos conciliares, para que se
compreenda, depois de meio século daquele evento extraordinário, o que realmente
o Espírito Santo sugeriu e sugere à Igreja. Cristalizar o Concílio na sua
necessária, mas insuficiente, “dimensão entusiástica” equivale a não desenvolver
um bom serviço ao trabalho de recepção do Concílio, que permanece quase
paralisada, pois com o passar dos anos pode-se afrontar e se podem compartilhar
avaliações sobre os textos objetivos, mas não sobre os estados emotivos e sobre
os entusiasmos historicamente assinalados.
(A parte 2 desta entrevista será publicada amanhã, 09 de outubro)
Fonte: Zenit
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por seu comentário! Deus abençoe!