Cardeal Mauro Piacenza, Prefeito da Congregação para o Clero concede entrevista exclusiva
Apresentamos a
parte 2 da entrevista exclusiva concedida à ZENIT pelo Cardeal Mauro Piacenza,
Prefeito da Congregação para o Clero, em vista do 50° aniversario da abertura do
Concilio Vaticano II.
ZENIT: Sabe-se que Vossa Eminência sempre falou com grande entusiasmo
do Concílio Vaticano II. O que ele representou para Vossa
Eminência?
Card.Piacenza: Como não se entusiasmar com um evento tão extraordinário como
um Concílio Ecumênico! Nele, a Igreja refulge em toda a sua beleza: Pedro e
todos os Bispos em comunhão com ele, colocam-se em atitude de escuta do Espírito
Santo, daquilo que Deus tem a dizer à Sua Esposa, procurando explicitar –
segundo os auspícios do Beato João XXIII – no hoje da história, as imutáveis
verdades reveladas e lendo os sinais de Deus nos sinais dos tempos, e os sinais
dos tempos à luz de Deus! Dizia o mesmo Pontífice na solene alocução de abertura
do Concílio, no dia 11 de outubro de 1962: “Transmitir pura e íntegra a
doutrina, sem atenuações nem subterfúgios [...] esta doutrina certa e imutável,
que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e exposta de forma a
responder às exigências do nosso tempo”.
Nos anos do Concílio eu era um jovem estudante, depois, seminarista e o meu
ministério sacerdotal, desde os primeiros passos desenvolveu-se à luz do
Concílio e das suas reformas. De fato, fui ordenado sacerdote em 1969. Não posso
negar que sou filho do Concílio que, também graças aos meus mestres, procurei
acolher, desde o início, as indicações conciliares segundo a hermenêutica da
unidade e continuidade. Esta reforma na continuidade pessoalmente sempre a
senti, vivi e, também como docente, ensinei.
ZENIT: Como Prefeito da Congregação para o Clero, acredita que os
Sacerdotes receberam bem o Concílio?
Card.Piacenza: Certamente, como porção eleita do Povo de Deus, os sacerdotes
são aqueles que, na Igreja, melhor conhecem e mais aprofundaram os ensinamentos
conciliares. Entretanto, parece-me que não faltaram as mesmas problemáticas que
antes evidenciei, seja em relação a uma justa hermenêutica da reforma na
continuidade, seja no que diz respeito à devida aproximação não
predominantemente emotiva ao evento conciliar. Se, neste Ano da Fé, todos
tivéssemos a humildade e a boa vontade de tomar em mãos os textos do Concílio,
naquilo que realmente disseram e não na “vulgata”, que teve uma certa
propagação, descobriríamos como o Concílio Vaticano II foi realmente profético e
muitas das suas indicações estejam ainda diante de nós, como um horizonte a ser
contemplado e uma meta a ser alcançada, com a ajuda da Graça. Certamente, para
que tal obra se realize, é necessária uma grande dose de humildade e uma certa
capacidade de superação de um juízo pré-constituído, para que se possa acolher
de novo uma verdade que, por muito tempo, foi concebida de modo diverso.
ZENIT: Sobre quais pontos poder-se-ia focalizar a recepção dos
documentos conciliares?
Card.Piacenza: Evidenciaria um ponto de particular tensão, que representa a
reforma litúrgica, mesmo porque constitui o elemento de maior visibilidade da
Igreja. O Servo de Deus Paulo VI, o Beato João Paulo II e o Santo Padre Bento
XVI, em vários momentos sublinharam a importância da liturgia como lugar no qual
se realiza plenamente o ser da Igreja. Mas infelizmente, como se pode notar em
vários casos, que ainda estamos longe de um equilíbrio mútuo a este
respeito.
Certamente, uma liturgia dessacralizada ou reduzida a “representação humana”,
em que se desvanece até ao ponto de perder a dimensão cristológica e teológica,
não é aquilo que a letra e o espírito da Sacrosantum Concilium
desejava. Entretanto, isto não justifica o posicionamento daqueles que, adotando
a hermenêutica da descontinuidade, recusam a reforma conciliar, considerando-a
como uma “traição” da “verdadeira Igreja”.
ZENIT: Existem inovações mais importantes que as
litúrgicas?
Card.Piacenza:Vista a centralidade da Liturgia, “fonte e centro” da vida da
Igreja (cf. SC,10), não falaria de maior importância. Certamente o Concílio
procurou valorizar as verdades evangélicas, que hoje representam um patrimônio
comum da catolicidade. Em tal sentido, bastaria pensar a feliz evidência que se
dá à vocação universal à santidade de todos os batizados, que favoreceu o
nascimento e o desenvolvimento de tantas novas experiências. Além disto, é
preciso recordar a abertura em relação aos cristãos de outras confissões, que
fez emergir o valor da unidade, com toda a sua beleza, como um necessário
atributo da Igreja e como um dom gratuitamente oferecido por Cristo. Este dom
deve ser acolhido sempre, através de uma purificação contínua dos que a Ele
pertencem. A importância da colegialidade episcopal, que está entre as
expressões mais eficazes da comunhão eclesial e mostra ao mundo como a Igreja é
necessariamente um corpo unido. A compreensão orgânica do Ministério Ordenado, a
serviço do sacerdócio batismal, que concebe presbíteros e diáconos intimamente
unidos ao próprio Bispo, como expressão de uma comunhão sacramental no serviço à
Igreja e aos homens, representou um objetivo e feliz desenvolvimento da
compreensão da face da Igreja tal como Nosso Senhor quis delinear.
ZENIT:Eminência, neste momento a Igreja dedica-se ao Sínodo sobre a
nova Evangelização e o Ano da Fé. Se tivesse que dizer uma palavra sintética aos
sacerdotes, o que diria?
Card.Piacenza:À luz da fé: Sacerdote, torne-se a cada dia aquilo que és!
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